"Acho que todo mundo deveria pensar em viver bem e não em envelhecer. Todo esse negócio de envelhecimento é muito chato", diz Martha Stewart ao anunciar que, aos 81 anos, é a nova garota da capa da revista Sports Illustrated Swimsuit, edição dedicada à moda praia. Com isso, a megaempresária, apresentadora de TV e autora de livros dedicados a receitas de comida e decoração de lares, tornou-se a mulher mais velha a aparecer na capa da famosa revista estadunidense. Desde que foi lançada, em 1964, a Sports Illustrated se notabilizou por estampar modelos, atletas e celebridades como Beyoncé e Kim Kardashian na capa da publicação. Todas as personalidades aparecem quase sempre em poses insinuantes, super sexy, chamando mais atenção para os corpos esculturais do que propriamente para maiôs e biquínis.
Nos dias atuais, parece anacrônico uma revista, que já não é, digamos, um exemplo de publicação feminista, insistir no mesmo padrão de beleza que impulsionou as vendas do passado (e que para a maioria das mulheres, sempre esteve bem distante). Não pega bem dar as costas para o debate atualíssimo sobre temas relacionados à diversidade. O resultado é que até mesmo uma revista pensada para agradar um público masculino quis entrar na conversa. A escolha por estampar uma modelo mais velha repercutiu. Certamente a comoção em torno das fotos de Martha Stewart foi maior do que a provocada pelos clics de Kim Kardashian, por exemplo.
Martha não é a primeira mulher com mais de 60 anos a aparecer na Sports Illustrated em trajes de banho. A canadense Maye Musk, de 75 anos, já tinha fotografado antes para essa mesma publicação. A escolha da mãe de Elon Musk se deu por ela ser uma figura influente da atualidade. Ganhou status de celebridade- e alguns trocados- graças a uma bem sucedida carreira de modelo da terceira idade. Ao fazer as fotos para a revista, Maye acreditava que a iniciativa poderia inspirar outras mulheres a se sentirem mais à vontade em seus maiôs e biquínis. A mensagem que as fotos traziam é que idade não deveria impedir outras mulheres de se sentirem confortável ao mostrar o corpo.
Mas a escolha de uma modelo como Martha Stewart também desperta outra reflexão. Por que um corpo mais velho não pode ser igualmente belo e sensual quanto ao de uma jovem? Mas antes de mais nada, é bom ressaltar que tanto Maye Musk quanto Martha Stewart não são mulheres comuns. Ambas são bilionárias e têm dinheiro de sobra para investir em procedimentos estéticos, alimentação saudável, rotinas de skincare e em tudo o que existe de mais moderno na indústria da beleza. Mas, de uma certa maneira, suas fotos contribuem para desmistificar a ideia de que beleza e sensualidade estão associadas exclusivamente ao corpo jovem. Já passou da hora de exercitar um novo olhar sobre isso. É preciso desconstruir essa maneira de enxergar o mundo de uma ótica única, carregada de preconceitos, fruto de um condicionamento que imperou por décadas e décadas e que só trouxe infelicidade a nós, mulheres.
No entanto, não dá para falar sobre Martha Stewart sem mencionar que, apesar de extremamente influente, ela já foi alvo de muitas controvérsias. Sua imagem esteve ligada a um modelo feminino que não é dos mais libertadores. Martha ergueu um império ensinando mulheres do mundo todo, através de livros, revistas e programas de TV a alcançar a excelência nas tarefas domésticas, remetendo um pouco àquela dona de casa dos anos 50. Suas dicas de como montar uma mesa de Natal, uma cesta de piquenique ou um arranjo floral, sobre como deixar o peru de 'Thanksgiving' mais saboroso ou fazer um bolo de encher os olhos, podem reforçar a ideia de que a mulher precisa ser a dona de casa perfeita. É aquela mulher que se esmera nos afazeres domésticos enquanto dá conta do trabalho e da criação dos filhos.
Afinal, personalidades como a diva dos lares ajudam ou não a empoderar outras mulheres? Essa é uma questão que está longe de ter uma única resposta correta. Martha Stewart é uma mulher que se fez sozinha e se manteve relevante por quase cinco décadas. Tem até o momento 99 livros publicados. Poucas pessoas conseguem esse feito. Isso não seria possível se ela não contasse com a admiração e confiança do público. Nem mesmo os cinco meses passados numa prisão federal, em 2005, por mentir à Justiça durante a investigação do uso de informações privilegiadas no mercado de ações, abalou os negócios de Stewart e a reputação de ícone da cultura dos Estados Unidos. Como a escritora Joan Didion definiu em um antigo artigo da revista "The New Yorker", Martha Stewart não representa a "domesticidade feminina", mas, sim, o poder feminino, "da mulher que se senta à mesa com os homens e, ainda vestindo seu avental, sai com todas as fichas", numa analogia com a pessoa que sai vencedora de uma mesa de pôquer.
Muito do sucesso de Stewart se deve à ambição presente desde os tempos de juventude e que fez com que ela, aos 31 anos, trocasse o mercado financeiro por uma empresa de catering, montada em uma de suas propriedades, em Connecticut. Outro ingrediente para explicar o sucesso foi sua autoconfiança. Só alguém que confia muito em si mesma se coloca no papel de principal produto de uma empresa que se tornou um império de bilhões de dólares.
Essa mesmo autoconfiança ela teve quando não pensou duas vezes em posar para a Sports Illustrated. "Eu posso fazer isso. Eu não tenho que ceder à convenção. De que outra forma eu, com 81 anos, teria me convencido a me sentir bem tendo que entrar num maiô?", argumentou Martha em entrevista. A lição que ela deixa é que um corpo saudável é também aquele que desfruta tanto de autonomia quanto de autoestima.