Em uma cultura em que mulheres são examinadas com lupa à medida que envelhecem, Anitta quer se preservar. Em entrevista dada ao podcast Pod Delas, a cantora revelou que não pretende chegar aos 40 anos, sendo comparada a artistas mais novas, que estarão chegando ao mercado cheias de fôlego. "Talvez eu continue fazendo (música) por diversão, por esporte, amor, mas não tenho vontade de ficar nesse compromisso de fazer sucesso", disse ela na entrevista levada ao ar um dia depois que outro astro da música brasileira, Caetano Veloso, comemorava 80 anos em grande estilo, com uma live exibida pela Globoplay.
É cruel pensar no tratamento dispensado às mulheres na cena musical, como se estrelas do quilate de Anitta tivessem prazo de validade. Como se tudo de relevante, fruto de anos de carreira, um dia corresse o risco de ser soterrado pela eterna discussão de que 'fulana está muito velha para isso'.
Madonna que o diga. No próximo dia 16 de agosto, a estrela faz 64 anos e parece disposta a continuar ativa na música por um tempo. No mês de aniversário, lança o box "Finally Enough", com 50 hits que chegaram ao topo das paradas musicais reunidos em 6 discos. Mas a determinação de Madonna de permanecer em cena tem um preço, especialmente numa era dominada pelas mídias sociais, em que é difícil não ser afetada pelo julgamento dos outros.
Seu último álbum com músicas inéditas (Madame X, 2019) não empolgou. Para uma artista acostumada com grandes números, lidar com o fracasso não deve ser tarefa fácil. Segundo a revista Rolling Stones, das 13 faixas do disco, a única música que chegou à lista das 200 mais ouvidas no Spotify, foi justamente "Faz Gostoso", com a participação de Anitta.
Ao entrar nos 60 anos, Madonna comprou uma briga com o jornal americano The New York Times, referindo-se ao veículo como "um dos fundadores do patriarcado". O motivo: ela não gostou da maneira como a repórter da revista do jornal escreveu a seu respeito. No texto, a jornalista fala da dificuldade em abordar qualquer assunto mais pessoal, como menopausa, com a lenda viva do pop. Madonna chegou a repreender a repórter, dizendo que achava que a jornalista pensava demais sobre idade e deveria parar com isso. Talvez Madonna tenha achado uma alternativa para não pensar mais sobre envelhecer. Escolheu transformar sua aparência nas fotos em algo mais próximo a de uma jovem mulher, graças a filtros e ao photoshop. Será que a aparência real da estrela faria dela uma mulher menos provocativa, criativa e símbolo sexual?
Muito antes de Madonna, uma brasileira fez história na música ao associar o canto cheio de personalidade com elementos de performance, como figurino e dança. Além disso, seu estilo influenciou a moda de toda uma geração. Seu nome era Maria do Carmo Miranda da Cunha ou simplesmente Carmen Miranda.
Considerada uma das grandes revolucionárias da música do século 20, Carmen rompeu com uma maneira de cantar, que era mais impostada e menos natural, que era padrão em sua época. Nos dias de hoje, seria o equivalente de uma estrela pop, cujo sucesso ultrapassa as fronteiras do país de origem e a transforma em ícone internacional.
Caetano Veloso é fã confesso (ele cita Carmen na canção Tropicália, uma espécie de manifesto do Tropicalismo) e profundo conhecedor da obra da cantora que, embora tenha nascido em Portugal, poderia ser definida como uma típica garota do Rio, na visão do compositor baiano. Anitta também foi impactada pelo legado da "Pequena Notável" desde que caiu em suas mãos um exemplar de Carmen- Uma Biografia (2005), de autoria de Ruy Castro.
Em mais de uma vez, Anitta afirmou que não quer ter o mesmo destino de Carmen Miranda, que morreu triste, aos 46 anos, em sua casa em Beverly Hills, sem receber no Brasil o reconhecimento que merecia. A cantora carioca tem consciência da sua importância e isso é ótimo. E nenhuma artista deveria ser impedida de continuar sua obra por causa de idade, como se fosse arrancada de cena em pleno solo.
Vida longa a Anitta. E a Caetano também.