O episódio se tornou conhecido. Enquanto defendia uma regulamentação mais rigorosa das redes sociais, num evento do G20, Janja da Silva se assustou com um barulho alto e brincou: “acho que é Elon Musk”. Em seguida, xingou o bilionário sul-africano, que acabou de ser escolhido para liderar o Departamento de Eficiência Governamental na administração do novo presidente dos EUA, Donald Trump.
O xingamento foi no sábado (16/11). Mas a essa altura, a declaração de Janja com a famigerada “f-word”, como se diz em inglês, dirigida ao dono do X, já rodou o mundo. A repercussão foi grande e as opiniões a respeito, diversas.
Logo que Lula foi eleito, Janja avisou que não seria a típica primeira-dama. Iria participar ativamente da presidência ao lado do marido. Assim, buscou ampliar sua atuação, desde a cerimônia de posse, para deixar sua marca pessoal e ressignificar a função que recebeu.
Nesta busca por protagonismo maior, há também um risco de aparentar uma primeira-dama mais intrometida do que influente. Ninguém tem dúvidas, por exemplo, da influência que Michelle Obama exerceu quando o marido Barack Obama esteve na Casa Branca. Longe da imagem de ‘recatada e do lar’, Michelle esbanjou carisma, deu opiniões e desfrutou de uma enorme popularidade. Conquistou um capital político tão grande que certamente poderia se candidatar à presidência e com chances de vitória. Sabiamente, não quis assumir esse abacaxi.
No entanto, Janja não quis limitar sua presença à primeira fila da platéia. Preferiu estar na mesa debatedora. Sempre que Janja está no centro de uma polêmica, um dos fatos mais lembrados é que, ao contrário do marido, reconduzido ao poder pela escolha de mais de 60 milhões de brasileiros, ela não foi eleita para nada. É a mais pura verdade.
Mas junte-se a isso uma má vontade com a figura dela, vinda inclusive de setores da esquerda. Não dá para desconsiderar também que entra uma pitada de misoginia neste caldo. As expectativas sobre mulheres em posições de destaque são mais elevadas, assim como os erros cometidos por elas serem mais amplamente debatidos.
Mas a crítica aqui não se dá por ela ser mulher que tem suas próprias opiniões. Se dá pela declaração totalmente inadequada e prejudicial ao próprio governo Lula. Janja estava num evento social do G20, que reune as principais lideranças mundiais. Nestas horas, não é possível ignorar para qual direção os holofotes estão voltados, já que ela não é uma figura qualquer. Suas atitudes e declarações sempre vão se refletir na imagem do governo.
O xingamento dirigido ao bilionário foi uma pisada na bola feia. Não acrescentou nada a não ser provocar um desgaste desnecessário. Colocou a diplomacia brasileira numa grande saia justa, minando os esforços de tentar uma abordagem mais pragmática com a futura administração Trump.
Alguém pode lembrar que Musk não é flor que se cheire. Como um dos homens mais ricos do planeta, ele parece estar mais interessado atualmente em levar ao poder governos autoritários pelo mundo afora. Em 2020, por exemplo, se sentia autorizado a derrubar democracias onde quer que elas estivessem. “Vamos dar o golpe em quem quisermos", declarou Musk sobre a Bolívia, país com grande reserva de lítio, metal usado na fabricação dos carros da Tesla.
A questão não é se Musk merece ou não críticas. Merece um caminhão delas. Tanto que houve quem se sentisse representado pela fala da primeira-dama, como se ela tivesse vocalizado o desejo de muita gente. Mas desde que escolheu para si um papel de destaque, Janja tem que ter consciência de que suas atitudes em caráter oficial não estão dissociadas de Lula e não podem constranger um governo que preze pela seriedade de suas relações.