Enquanto tentava descobrir se Caetano Veloso subiria ao palco montado na Marina da Glória, debaixo da chuva torrencial que caiu no Rio de Janeiro na noite deste domingo, outros assuntos dominavam as redes. Um deles era a decisão de Neymar de se transferir do PSG para o futebol da Arárbia Saudita, onde vai ganhar a bagatela de mais de 1 milhão de reais por dia.
O outro foi o rompimento de Larissa Manoela com os pais. O casal Silvana e Gilberto estava à frente dos negócios da filha, desde quando ela começou a trabalhar, aos 4 anos.
Larissa abriu o jogo em entrevista que mobilizou a audiência. A matéria foi exibida como o grande assunto da semana no final do Fantástico. Na entrevista levada ao ar, ela dá detalhes sobre a participação dos pais em seus negócios. Segundo a artista, havia pouca transparência sobre como o dinheiro dela era administrado. Ao contrário do que imaginava, de que tanto ela quanto os pais tinham cotas iguais na empresa que mantinham, descobriu que Silvana e Gilberto ficavam com quase tudo do que ela ganhava: 98% para o casal, 2% para ela.
Histórias de estrelas mirins cujos pais enriquecem agenciando a carreira de filhos muitas vezes têm um desfecho melancólico. Tenho certeza de que, para muitos atletas, o gerenciamento da carreira de Neymar é entendido como sucesso. Com a orientação do pai, um ex- jogador de futebol de pouco destaque, Neymar se transformou em um dos atletas mais bem pagos do mundo. Mas é de se lamentar que a imagem de um craque como ele, em seus últimos anos como jogador, vá ficar associada a alguém que pautou suas decisões somente pelo dinheiro. Fica uma sensação de que Neymar poderia ter escrito uma biografia muito mais interessante e mais à altura de um verdadeiro ídolo. Será que a trajetória do ex-craque do Barcelona seria diferente se o pai tivesse menos influência em suas escolhas?
Já o controle que os pais de Larissa Manoela exerceram ao longo da vida da atriz e cantora lembra o imbróglio entre Britney e o pai Jamie Spears. A estrela de "Toxic", mesmo tendo acumulado uma fortuna estimada em 60 milhões de dólares, teve que viver de 2008 a 2021 debaixo da tutela do pai, sobre quem recaíam acusações de abusos físicos e verbais. Nem mesmo uma figura próxima da filha o pai era.
Documentos judiciais obtidos pelo jornal The New York Times - e que foram incluídos no documentário "Framing Britney Spears: a Vida de uma Estrela" (Globoplay) - revelaram que Britney sempre se opôs ao papel atribuído ao pai pela justiça. Na ocasião em que foi concedida a tutela, Britney tinha passado por avaliações psiquiátricas contra a sua vontade. Foi massacrada aos olhos da opinião pública, pintada como a mulher louca, mãe desnaturada, dona de uma saúde mental instável e incapaz de gerenciar seus próprios ganhos. Mas se manteve em silêncio. Até a reportagem do jornal, poucos sabiam do drama pelo qual Britney passava.
Larissa Manoela veio a público depois que começaram a circular as notícias sobre rompimento com os pais. Assim como Britney, ela sentia que era tratada como uma pessoa incapaz. Tinha que pedir um pix até para comprar o milho verde vendido na praia, tamanho o controle que seus pais exerciam sobre suas finanças.
No entanto, mesmo com todo o drama descrito, Larissa se apressou em justificar que a escolha de se afastar dos pais era uma decisão única e exclusivamente dela, antes de pipocar algum comentário sexista de que estaria sob influência do noivo, o ator André Luiz Frambach. A atriz deve ter pensado na quantidade de gente que iria julgá-la novamente como uma mulher incapaz de fazer suas escolhas, alguém que sai de uma tutela para cair em outra. Que triste ter que se preocupar com isso numa hora tão difícil.
Com a família envolvida na administração do dinheiro de suas estrelas mirins, o argumento é de que tudo é feito pelo interesse delas. Afinal, o mundo está cheio de 'aproveitadores'. Quem melhor para protegê-las do que os pais zelosos, seres capazes do amor mais incondicional que existe? Não deve ser fácil se descobrir traído por alguém com quem se tem uma relação de afeto tão profunda.
Larissa parece presa nessa teia de um amor que se transforma em raiva, ainda acreditando que o afeto poderá ser restabelecido no futuro. Diz que jamais vai deixar de amar os pais, mesmo se sentindo enganada quando o dinheiro falou mais alto. Não quer parecer a filha ingrata que não reconhece que os pais abdicaram de muitas coisas na vida para se dedicar a fazer da filha uma estrela. Tanto que abre mão de uma fortuna de 18 milhões de reais para não prejudicá-los. No momento, só quer se livrar da tutela deles.
Não é desrespeito algum uma filha que dedicou ao trabalho 18 dos seus 22 anos de vida querer ter algum controle sobre sua vida. Aliás, esse deveria ser o maior desejo dos pais. Criar filhos para que sejam livres e com total autonomia é talvez uma das maiores lições de amor que pais podem dar.
Nessa história toda ecoam as palavras de Caetano Veloso, que arduamente conseguiu fazer um show debaixo do temporal que desabou sobre a capital carioca, entrando madrugada adentro enquanto o assunto Larissa Manoela fervia. Em sua apresentação deste domingo, o músico resgatou "Mora na Filosofia", a bela canção do álbum Transa (1972), que traz a pergunta sempre urgente: pra quê rimar amor e dor? Esse, aliás, é um ensinamento universal que serve para Larissas, Britneys e todo mundo que se dispõe a seguir em frente se refazendo das dores do passado.