Uma das minhas personagens preferidas na televisão era a da atriz Mary Tyler Moore, na série de comédia que levava seu nome (Mary Tyler Moore Show, 1970-1977). No seriado produzido pela emissora CBS e exibido no Brasil pela Rede Globo, a estrela dava vida a Mary Richards, uma mulher na faixa dos 30 anos que se mudou para a fria Minneapolis, no estado de Minnesota, e encontrou trabalho como produtora executiva no jornal da TV local.
No começo da trama, quando chega na entrevista de emprego, Mary tem que responder a uma pergunta sem muita relevância profissional, disparada pelo chefe da redação Lou Grant (Edward Asner): "você é casada?" Antes de responder diretamente, Mary tergiversa um pouco. Talvez seu futuro chefe não estivesse preparado para a resposta que viria a seguir. Não, Mary nunca tinha se casado. Era solteira, independente e personificava as mudanças de comportamento trazidas pelo feminismo da década de 70.
O trabalho, a vida cercada por amigos e especialmente o apartamento da personagem, por onde transitavam as vizinhas Rhoda (Valerie Harper) e Phyllis (Cloris Leachman), exerciam um enorme fascínio em mim. O apartamento cheio de personalidade, com a icônica letra "M" na parede da sala, era o emblema da liberdade da qual podia desfrutar uma mulher que vivia sozinha com total autonomia. Mary não era virgem. Na série, houve inclusive menções à pílula anticoncepcional, a grande revolução trazida pelos anos 60, indicando que a personagem transava mesmo sem ser uma mulher casada. Mas o principal e mais moderno para época é que a personagem não estava em busca do príncipe encantado como objetivo de vida.
Cinco décadas depois da série fazer sucesso, leio que a maioria das mulheres estadunidenses é agora formada por solteiras, com um perfil parecido com o da personagem de Mary Tyler Moore. Nunca houve um número tão grande de mulheres que adiaram ou simplesmente renunciaram ao casamento, segundo reportagem do jornal Washington Post. Elas representam 52% da população feminina nos Estados Unidos, de acordo com estudo mostrado na reportagem, feito pelo banco Wells Fargo que, desde 1900, pesquisa o estado civil da população no país. Quando o levantamento começou, elas eram 7%.
O Brasil registra a mesma tendência. Aqui as solteiras também são maioria e somam pouco mais de 52% da população feminina, segundo números mais recentes do IBGE. Não se trata de falta de parceiros no mercado amoroso, como poderiam supor os mais afoitos. Poderíamos discutir até onde é verdade que homens, quando estão solteiros, vão em busca de parceiras cada vez mais jovens, "preterindo"(como se fossem os únicos com poder de escolha) mulheres que priorizaram sua independência em vez de adotar o que seria o modelo da tradicional família brasileira.
Mas essa visão de que solteiras são mulheres que foram deixadas para trás, como são tratadas, por exemplo, as chinesas, de que não conseguiram arrumar alguém que se interessasse por elas e, portanto, tiveram como única saída se dedicar à vida profissional, é uma justificativa bem esfarrapada para explicar a atual tendência do aumento de mulheres que não estão casadas.
Os argumentos mais sólidos apontam que a independência feminina vem de anos e anos de conquistas gradativas, entre elas a presença cada vez maior dentro das salas de aula, inclusive em ambientes antes dominados por homens. As brasileiras assim como as estadunidenses formam hoje a maioria dos alunos nas universidades. Há indicadores de que uma mulher no Brasil tem 34% mais probabilidade do que um homem de concluir seus estudos. Isso diz muito sobre a consciência de que, sem uma formação mais adequada, tudo seria ainda mais difícil.
A maior escolaridade, com impacto na renda, é o que tem impulsionado mulheres a fazerem suas escolhas com mais autonomia. Por que haveria necessidade de casar, submetendo-se aos tradicionais papéis associados ao homem e a mulher, quando o que se ganha é suficiente para garantir a independência?
Assistimos hoje um número cada vez maior de mulheres que reinventam o conceito de estar sozinha. Estar solteira não é mais visto como uma condição transitória, uma entressafra forçada enquanto não parece aquela pessoa especial. Estar só também não implica em estar mergulhada na solidão, sem vida sexual ou vínculo amoroso algum. Até porque a mulher solteira não é exclusivamente aquela que abriu mão da maternidade em nome de sua independência. Para ter uma radiografia mais nítida dessa realidade, basta recorrer aos números do IBGE e constatar que, no Brasil, das 13 milhões de famílias monoparentais com filhos, 87% são chefiadas por mulheres e 13% por homens. Ou seja, há muito mais mães solteiras do que pais solteiros. Vivem sozinhas, sem um cônjuge por perto, mas não estão sozinhas.
Quando verbalizam que gostariam de ter um companheiro mais estável, alguém para dividir a vida, as solteiras que refutam os estereótipos do passado indicam ter consciência de que o casamento é um dos caminhos para uma vida feliz, mas não o único. Há outras formas de viver que não dependem de um companheiro sob o mesmo teto.
Já foi o tempo em que uma mulher, quando perguntada se era casada ou solteira, sentia-se um pouco envergonhada de dizer a segunda opção. Ser dona do próprio nariz, escolher de que forma vai conduzir a própria vida, tomar decisões por ela mesma, está longe de ser um constrangimento. É libertador.