Dois documentários lançados recentemente no streaming fazem a alegria dos fãs da moda e de quem se interessa pela história de seus criadores.
O primeiro deles é "Ascensão e Queda – John Galliano", dirigido por Kevin Macdonald (MUBI). Como anuncia o título, o filme é sobre um dos mais controversos estilistas do mundo da moda. Saudado como gênio enquanto esteve à frente das criações da Dior, Galliano caiu em desgraça e desapareceu de cena depois de ser flagrado fazendo comentários racistas em Paris. Em uma das vezes, atacou um homem de origem asiática ao lado de uma mulher, a quem chamou de judia suja. Depois, aparentando estar totalmente embriagado, falou a um grupo de mulheres que estava no mesmo bar que ele que amava Hitler. Para quem assiste o documentário, fica a indagação sobre as lições que Galliano tirou dos episódios. Além de mostrar a vida do estilista após o cancelamento, a produção revela como a indústria da moda pode ser brutal.
O outro documentário reconta a história de sucesso da estilista que inventou o vestido envelope nos anos 1970 e, com ele, ergueu um império. "Diane Von Furstenberg: Mulher no Comando" (Star+) revela como a trajetória da estilista foi guiada pelo seu desejo de independência e de uma vida livre, sem julgamentos..
Com depoimentos de Oprah Winfrey, Hillary Clinton e da autora feminista Glória Steinem, Diane relembra histórias engraçadas, como a do dia em que quase fez 'threesome' (ou sexo a três, em português) com Mick Jagger e David Bowie. Na hora achou que seria uma boa história para contar pros netos. Mas depois pensou que o não desfecho do sexo a três poderia ser melhor ainda. A estilista também se diverte ao contar que num mesmo final de semana, ficou com Ryan O'Neal e Warren Beatty, dois galãs do cinema para ninguém botar defeito. "Que tal isso?" indaga uma sedutora Diane que chega aos 77 anos valorizando cada ruga que estampa seu rosto.
Na abertura do documentário, Diane, sentada na bancada da pia do banheiro de frente para o espelho, afirma não entender porque tantas pessoas têm medo de envelhecer. A estilista belga sempre se notabilizou por ser uma das celebridades críticas a procedimentos estéticos que prometem ser a fonte da juventude. Como ela mesma diz, "se você tira suas rugas, o mapa da sua vida é diferente". E Diane não está disposta a apagar nada do que viveu.
Filha de uma sobrevivente de Auschwitz, Diane foi educada para ser uma mulher corajosa, destemida, caso algum dia tivesse que passar pelos mesmos horrores que sua mãe. Ao ser libertada do campo de concentração, estava pesando cerca de 20 quilos. Precisou ser alimentada como um passarinho tamanha a fragilidade de seu corpo. Os médicos disseram que ela nunca poderia ter filhos naquelas condições. Com o nascimento de Diane, a mãe ganhou uma segunda vida.
O fato de ter nascido em condições que seriam tão adversas, pode ter moldado o espírito livre e a personalidade hedonista da designer. O outro episódio determinante, por mais trivial que possa parecer, foi Diane ter nascido com cabelos pretos e encaracolados num país com uma maioria de pessoas loiras. Ser diferente dos outros na aparência alimentou em Diane uma vontade de viver sua própria vida, mesmo que, para isso, fosse preciso sair de seu país.
Sentiu o primeiro gosto da liberdade ao entrar num internato na Suíça. Ironicamente, foi ali que se sentiu dona de seu próprio nariz. Estava sozinha, por sua conta e risco. Foi nessa época que se apaixonou pela primeira vez por um garoto de origem iraniana. Depois, por uma garota, o que lhe custou a saída do colégio interno. Aos 18 anos, conheceu um playboy descendente de família de nobres alemães e se casou com ele anos depois. Com isso, virou princesa, mudou-se para Nova York e foi sacudida pela onda de feminismo que tomava conta dos Estados Unidos nos anos 1970.
O vestido envelope, a peça criada por ela 50 anos atrás e que se tornou um hit absoluto no guarda-roupa das mulheres da época, encarnava, de um certo modo, o espírito livre da época. Era uma peça simples de vestir e confortável. Não exigia quase nenhuma outra produção. Bastava vestir, transpassá-lo na cintura e,"voilà", a elegância era instantânea.
Há quem defenda que a melhor modelo para os vestidos envelopes sempre foi a própria criadora, que costumava usá-los com meias arrastão e salto alto. Embora o look não remeta necessariamente a imagem de uma feminista, Diane diz que sempre foi uma ativista da causa e sempre será, principalmente pela forma livre, leve e solta- e completaria, empoderada- que encarou sua sexualidade Teve a vida de um homem, mas num corpo de mulher, como ela mesma diz.
Muito antes de haver sex positive, havia Diane Von Furstenberg. Assim como outros tantos nomes, a estilista está em companhia de mulheres que se notabilizaram por estar a frente de seu próprio tempo.