Na poderosíssima liga de basquete masculino dos EUA, a NBA, que movimenta bilhões de dólares ao ano, é comum ver nas equipes o mix de atletas jovens, incluindo calouros, ao lado de veteranos. Os times optam por essa composição porque a experiência dos mais velhos faz a diferença quando os clubes chegam na fase mais decisiva do torneio. Com jogos mais duros, é preciso deixar em quadra muito mais do que força e determinação. É fundamental saber ler o adversário, ter a visão completa do jogo, para não ficar pelo meio do caminho. Mesmo jogando poucos minutos, ou estando no banco, os jogadores mais velhos são essenciais para transmitir os ensinamentos aos mais novos para que o time tenha sucesso.
Se a combinação entre juventude e experiência rende bons resultados numa atividade em que o físico é exigido ao extremo, que dirá em outras áreas? Não dá para prescindir de uma reserva de conhecimento, representada por profissionais mais experientes, por mais que o mercado de trabalho valorize "sangue novo".
O jovem pode ter a melhor formação, mas é inegável que ele não teve tempo suficiente para aplicar na prática seus conhecimentos. Para as empresas, isso parece importar muito pouco. Mesmo com as mudanças aceleradas que testemunhamos, ainda há um preconceito infundado de que os mais velhos são pessoas com mais dificuldade para se adaptar a novas tecnologias ou que custam caro demais para a folha de pagamento da empresa. Os ganhos que podem representar, ficam de fora da equação.
É uma atitude que vai na contramão de um discurso mais inclusivo, de que quanto mais diversidade, melhor para um ambiente de trabalho. Resta a quem não encontra mais oportunidade de trabalho no mercado formal, começar uma vida de profissional autônomo, com todos os desafios que isso representa. Convenhamos, é uma realidade que está longe de ser o ideal para quem precisaria ter um mínimo de segurança, nesta fase da vida, para sonhar, inclusive, com uma aposentadoria digna. Todo mundo quer envelhecer bem, com possibilidades de traçar planos, de ser recompensado depois de trabalhar tanto. E, quem sabe, deixar um legado para gerações mais novas.
No começo da semana, veio a notícia de que o Ernesto Paglia, após 44 anos na reportagem da TV Globo, deixou a emissora. Com sua saída, ele se junta a outros repórteres, como Isabela Assumpção, José Hamilton Ribeiro, Alberto Gaspar e Francisco José. Todos saíram com cerca de quatro décadas de serviços prestados à mesma emissora de TV. Assim como eles, Paglia sempre foi uma referência para os colegas de reportagem. Sua marca registrada é conduzir com maestria matérias que mesclam assuntos relevantes com seu lado de observador atento. É alguém que lê as entrelinhas, que presta atenção naquilo que não se mostra óbvio a princípio. Sorte de quem pode conviver com ele na redação e absorver algum de seus ensinamentos.
Enquanto escrevo, me vem à lembrança a história de Sully Sullenberger, o piloto estadunidense que se tornou famoso após pousar o voo 1549 da US Airways no rio Hudson, em Nova York, em 2009, salvando a vida das 155 pessoas a bordo. Sully, que mais tarde virou personagem de filme ("Sully: O Herói do Rio Hudson", 2016), vivido por Tom Hanks, tinha quase 60 anos quando estava no comando do avião que se chocou com uma revoada de aves, perdendo os dois motores. Ao lado dele, estava um copiloto que voava pela primeira vez naquele modelo de aeronave do acidente. A experiência de Sully, que tinha sido piloto de caça, foi determinante na tomada de decisão que salvou a vida dos passageiros.
Sully acabou se aposentando um ano após o acidente e recebeu todos os reconhecimentos a que tinha direito. Chegou a ser nomeado no ano passado pelo presidente Joe Biden, para ser o representante dos EUA no Conselho da Organização Internacional de Aviação Civil. Mas tenho certeza de que, antes disso, Sully marcou definitivamente a vida de quem o acompanhou numa cabine de comando.
Como avançar no saber sem a expertise de quem acumulou conhecimento com a prática diária da profissão? Discípulos não existiriam sem os ensinamentos dos mestres. Com isso em mente, expresso meu desejo para que, no próximo ano, a gente possa, pelo menos, diminuir o descompasso entre o discurso e a prática. A realidade de um trabalhador ou trabalhadora com mais de 50 anos ainda está muito distante do mundo ideal.