Desde a estreia de “Senna”, a internet foi tomada por comentários sobre a série mais cara da história da Netflix no Brasil. É uma mega produção rodada em vários países, e que recria com perfeição os carros icônicos da Fórmula-1 da época em que o piloto brasileiro escrevia sua história nas pistas. Embalada por uma trilha ótima, a série resgata uma nostalgia em quem viveu o auge de Senna, quando o piloto era a alegria dos lares no domingo.
Claro que tinham os fãs de Nelson Piquet que torciam o nariz para Senna. Mas o apelo do piloto mais rápido que a F-1 já tinha visto, ousado, que vencia em condições adversas pilotando ‘no braço’ com carros pouco competitivos, era irresistível.
Vi numa tacada só os três primeiros episódios. Deu vontade de ficar mais um pouquinho diante da tela para ver como a trama ia se desenrolar, apesar de todo mundo saber do triste final.
No entanto, a estreia de “Senna” foi ofuscada pela polêmica sobre a influência da família, 30 anos depois da morte do piloto, pelo fato da série relegar míseros minutos à personagem que interpreta Adriane Galisteu. Tudo se resume a um flerte numa pista de dança, uma ficada e depois um telefonema no dia da morte da piloto. Senna e Adriane combinam de se encontrar em Lisboa. Ao final da chamada, Senna se despede com um “eu te amo”.
Quatro anos antes, em 1990, e com um título assegurado na F-1, Senna queria muito conquistar sua primeira vitória no Brasil. Desta vez, em São Paulo, sua cidade natal. Interlagos voltava a fazer parte do circuito da F-1, depois de 10 anos em que o GP Brasil foi disputado em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. O autódromo tinha sido todo reformado, na gestão da prefeita Luiza Erundina, para receber novamente o Grande Prêmio. Senna acompanhou de perto as reformas, sugerindo inclusive o famoso "S” do Senna no traçado.
Nessa época, estava fazendo uma reportagem especial, pela TV Cultura, sobre a volta do GP Brasil a São Paulo. Mas minha admiração por Senna vinha de antes. Quando era estagiária no departamento de esportes da Rádio Gazeta, Senna corria na Inglaterra, empilhando recordes e vitórias. Era impressionante a ascensão do piloto em terras inglesas- a série mostra bem como Senna arrebentava em qualquer categoria por que passasse.
Sandrinha, minha colega de estágio, mantinha sempre contato com o pessoal do escritório de Senna na Vila Maria, com pedidos de entrevista. E Senna chegou a falar pelo telefone para rádio. Tudo sem grandes complicações. Mas na F-1, o ‘crème de la crème’ do automobilismo, o status era outro.
A matéria que fazia sobre Interlagos iria ao ar antes da realização da corrida. Por sorte, Senna passou pelo autódromo às vésperas da competição. Ao lado de um grupo de jornalistas, esperei pela chegada do piloto. Fui avisada pelos colegas mais acostumados à cobertura de automobilismo de que Senna organizava ele mesmo suas entrevistas- normalmente quem faz isso é um assessor de imprensa. Era um aviso do tipo ‘se prepara porque ele não é um entrevistado fácil'.
Logo depois, Senna pousou com seu helicóptero. Dito e feito: ao chegar olhou para o grupo e contou com o dedo quantos jornalistas tinham ali. Pediu para os jornalistas se dividirem em dois grupos.
Na vez do meu grupo, me aproximei de Senna. Na rodinha que se formou em volta dele, fui avisada pelos colegas de que as perguntas- uma apenas- iriam obedecer o sentido horário. Achei bizarro, resmunguei um pouco, mas falei que tudo bem porque ali importava menos a minha pergunta e sim o que piloto diria. Senna ouviu.
Na minha vez, perguntei o que para mim era o mais óbvio. Vivendo uma relação para lá de problemática com Jean Marie Balestre, o francês todo poderoso da FIA (Federação Internacional de Automobilismo) indaguei a Senna se, após todo o empenho em trazer a corrida para Interlagos, ele temia ficar de fora. Senna olhou para mim e respondeu de um jeito sincero: “se dissesse que não, estaria mentindo". No dia seguinte, as manchetes nos jornais eram. “Senna teme ficar fora do GP".
Saí da entrevista impressionada com o carisma do moço. O olhar dele era especial. Entrevistei o piloto numa segunda vez ao conquistar o tricampeonato. Renovei minha admiração pelo ídolo. Sob a tão falada imparcialidade do jornalista, não titubei em colocar ao final da matéria Tina Turner cantando "We Don't Need Another Hero” com cenas de Senna. Entre elas, imagens registradas naquela tarde em que um piloto de F-1 se firmava para sempre como um dos maiores do esporte.