Somente o desejo perverso de castigar mulheres explica urgência de deputados para votar PL do aborto

Na tentativa de criminalizar todo aborto após 22 semanas de gestação, deputados que apoiam o PL1904 querem aprová-lo a toque de caixa

13 jun 2024 - 15h42
(atualizado às 15h44)
Votação da urgência de projeto que criminaliza aborto durou cinco segundos na Câmara
Votação da urgência de projeto que criminaliza aborto durou cinco segundos na Câmara
Foto: Mário Agra/Câmara dos Deputados

Virou lugar comum protestar sobre o baixo nível dos parlamentares que orbitam o Congresso Nacional atualmente. Mas o que temos assistido não são apenas políticos fazendo malabarismos para justificar emendas ou projetos de lei bizarros que visam seus próprios interesses ou de grupos minoritários, como a PEC das praias. O que vemos hoje são parlamentares obstinados em promover, dia após dia, ataques a direitos conquistados e que dizem respeito à própria dignidade humana. 

Não à toa que o projeto de lei 1904/ 2024, cuja votação da urgência foi aprovada ontem em cinco segundos, tem sido chamado de "PL do Estuprador", uma vez que pode impor a mulheres que fizerem aborto com mais de  22 semanas penas maiores do que para casos de estupro. Esse é o verdadeiro projeto de lei do "Fim do Mundo". Tudo nele leva a pensar que a humanidade deu muito errado. Desde quando passou a ser aceitável que ataques violentos e sistemáticos às mulheres sejam normalizados sem nenhum constrangimento pelo Legislativo? 

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São vergonhosas as cenas da votação relâmpago conduzida por Artur Lira, num plenário em que ninguém prestava atenção em nada, à exceção da deputada Jandira Feghali (PCdoB- RJ) que se pronunciou contrária à urgência. Assim como é cínico o post nas redes sociais do deputado Sóstenes Cavalcante (PL/RJ), autor do projeto e aliado de Silas Malafaia, comemorando a aprovação da urgência como "vitória da vida". 

"Stealthing" e outros atos que podem configurar estupro "Stealthing" e outros atos que podem configurar estupro

De que vida estamos falando? Certamente não a de uma mulher cuja continuidade de uma gravidez pode levá-la à morte. Nem a de uma grávida de um feto anencéfalo que será obrigada a manter uma gestação de uma criança sem chances de sobrevida. Tampouco a de uma vítima de estupro. É sobre esse terceiro grupo que projeto de lei, que será examinado nos próximos dias a toque de caixa pela Câmara, exibe toda a sua crueldade. 

Ele atinge especialmente aquelas vítimas de estupro que descobrem que estão grávidas tardiamente. Muitas vezes, a descoberta acontece quando buscam um serviço de saúde porque alguém próximo à vítima percebe que a barriga dela está diferente. Na grande maioria, são crianças que não têm nem idade para entender o que está acontecendo com o próprio corpo. São meninas de 10, 11 anos que não conseguem processar direito sobre a violência a que foram submetidas. Muitas se calam, ficam com medo de contar. Até porque, em muitos casos, o estuprador está dentro de casa fazendo ameaças.  

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Para essas vítimas, o PL do líder da bancada evangélica não economiza em desumanidade. Não bastasse o estupro, a criança ainda precisa ser vítima de uma violência extra, na visão dos deputados que apoiam o tal projeto. Ela precisa ser torturada levando adiante uma gravidez indesejada. Pouco importa se infância e as possibilidades de um futuro melhor  forem sequestradas. Sem falar nos riscos que uma gravidez traz a um corpo que não está pronto ainda. Na segurança das meninas estupradas, os parlamentares que apoiam o projeto sequer pensaram.

A quem interessa encarcerar mulheres por até 20 anos, com penas maiores do que a de homens condenados por estupro, porque interromperam a gravidez, mesmo em casos permitidos pela legislação atual? Vitória da vida de quem? Não é sobre a vida de bebês e muito menos sobre a de mulheres. É apenas o desejo de punir uma mulher que possa decidir sobre o que ela quer fazer. Se hoje a lei garante esse direito, então muda-se a lei. É a vitória dos homens intolerantes e misóginos que, sob o pretexto da religião, não se acanham em criar novas leis para impor sofrimento e controle à vida de mulheres.

Fonte: Lúcia Soares Lúcia Soares foi repórter em alguns dos principais canais de televisão (Rede Globo, Band, Record TV, TV Cultura). Atrás das câmeras, trabalhou na edição (Decora) e direção (Chegadas e Partidas-temporada 5) de programas de variedades.
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