Precisamos chamar as coisas pelos nomes que elas realmente têm. O famoso “dar nome aos bois”, como simplifica o ditado popular. O que aconteceu com a repórter Jessica Dias, da ESPN, na noite de quarta-feira (7), antes da partida Flamengo x Vélez Sarsfield foi assédio. Importunação sexual.
Argumentar que foi um “beijo fraternal”, como fez a defesa do torcedor Marcelo Benevides Silva, é um desrespeito com todas as mulheres. Ele violentou Jessica como mulher e como profissional.
Se o ato e a justificativa já enojam, o depoimento da repórter aponta que houve mais. O “beijinho” no rosto foi só o que a televisão mostrou.
"Antes tiveram muitos xingamentos e importunação porque o ao vivo demorava. Pedi calma e para que não ficasse xingando, não precisava. Vieram os 'pedidos de desculpa' com alisamentos nos ombros e um beijo no local. Eu estava prestes a ser chamada para o link e mantive a posição, existe uma logística que exige concentração. Outra tentativa de beijo no ombro. Me esquivei e meu câmera chamou a atenção dele", descreveu nas suas redes sociais.
O papel da equipe de filmagem que acompanhava Jessica foi fundamental. Diferente do que vemos muitas vezes, com homens se eximindo de situações de machismo, misoginia e até assédio, como neste caso, eles conseguiram segurar o torcedor que beijou a repórter e, de acordo com informações da ESPN, pediram a PMs que o levassem para a delegacia.
Acompanhado do filho, Marcelo teve sua prisão decretada no Juizado Especial Criminal ainda na quarta, e na quinta-feira (8) pela manhã foi transferido para a Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica, na Zona Norte do Rio. À tarde, porém, a Justiça do Rio mandou soltar o assediador.
Foram menos de 24 horas de punição para o homem que, sem permissão, beijou Jessica Dias na frente das câmeras. Milhares de pessoas assistiram à cena de importunação sexual; clubes, jornalistas e emissoras emitiram nota de repúdio, mas somente Jessica foi vítima do crime.
Jéssica e mais 72% das mulheres, que de acordo com a pesquisa A Mulher na Comunicação - sua força, seus desafios, realizada pela a Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje), sofreram assédio no trabalho.
“Eu não queria beijo, não queria carinho, não queria passar 3h em uma delegacia. Eu só queria trabalhar".
O desabafo de Jessica é, certamente, o desabafo de inúmeras outras mulheres que são assediadas diariamente no ambiente de trabalho, em casa, no transporte público, nas ruas e em todos os lugares, e muitas vezes não denunciam, seja por medo, seja por desacreditarem que haverá uma punição justa.
Fica então, mais uma vez, a pergunta: até quando veremos esses casos se repetirem?