O Catar está entre as nações mais ricas do mundo. No país, se destacam as políticas de educação, a 2ª colocação no ranking de PIB per capta e o 15º lugar pelo sistema de saúde. Por outro lado, quando o assunto são os direitos humanos, a sede da Copa do Mundo 2022 está bem atrasada. Leis rígidas, que permitem castigos físicos a quem for preso, acompanham a constituição machista, que não garante proteção às mulheres.
Na semana passada, um incidente chamou a atenção durante a partida Irã x Estados Unidos. Uma torcedora iraniana, que usava uma camiseta do movimento pela liberdade das mulheres de seu país - desencadeado pela morte de Mahsa Amini - foi cercada por compatriotas e agredida. Inclusive, ela teve o celular arremessado após tentar gravar imagens do atentado.
Apesar de estarem no local, os seguranças catarianos não reagiram para defendê-la. Para se proteger, ela se abrigou do lado interno do estádio e buscou apoio de integrantes da organização da Copa. Foram momentos de tensão captados nas imagens do jornalista Adriano Wilkson.
Outros relatos também viralizaram nas redes sociais, principalmente pela situação enfrentada por quem está no Catar para torcer por suas seleções ou para trabalhar. Passadas de mão, beijos à força, perseguições nas ruas são comuns. Mas a forma incomum como a polícia local lida com essas situações é preocupante e assusta as turistas.
"É muito diferente do Brasil. E olha que o Brasil é um país muito mais livre, é um país em que as mulheres têm total liberdade. A impressão que eu tenho é que eles estão simplesmente loucos. Meu Deus, nunca vi, vou em cima', entendeu?“, disse a jornalista Isabelle Costa, perseguida por dois homens no metrô de Doha, em entrevista ao UOL Esporte.
O interessante é pensar que existe o outro lado da moeda no Catar, onde há leis extremamente rígidas para pequenos delitos, como furtos, por exemplo. A repórter argentina Dominique Metzger foi assaltada durante uma passagem ao vivo e, enquanto prestava queixa em uma delegacia com área exclusiva para mulheres, foi questionada pela policial qual punição gostaria que o assaltante recebesse: 5 anos de prisão ou deportação.
A história dos “dois pesos e duas medidas” é bem explícita no país árabe. Basta relembrar o que aconteceu com Paola Schietekat, economista que trabalhou no Comitê Supremo da Copa e foi vítima de violência de um homem e do Estado do Catar. A briga judicial de Paola teve repercussão internacional e demorou muitos meses para ter um desfecho positivo, com a queda da sentença de sete anos de prisão e cem chibatadas.
Tuteladas por homens
O movimento #FreeBritney, que pedia o fim da tutela do pai de Britney Spears sobre as finanças e todos os outros aspectos da vida da artista, explica um pouco da problemática por trás das leis cataris. Nos EUA, Britney foi colocada sob os cuidados de “guardiões” após ser considerada incapaz de cuidar de si mesma em 2008. Nos anos seguintes, a cantora brigou na Justiça para recuperar sua liberdade.
Agora, imagine a situação de uma mulher que nasceu em um país com uma Constituição baseada em costumes religiosos e machistas? Ao contrário do que aconteceu com a “Princesa do Pop”, essas mulheres nascem e permanecem durante toda a vida sob a tutela de familiares do gênero masculino.
De acordo com a lei local, que tem suas raízes no Islã, as mulheres precisam de autorização de um homem de sua família - pai, marido, irmão e etc - para realizarem coisas simples como viajar, estudar e até mesmo trabalhar.
Pode parecer chocante, mas a liberdade do gênero feminino é desprezada em nações que rejeitam a separação entre os costumes religiosos e a Constituição. É assim que as minorias seguem na mira dos opressores. Afinal, o Estado tem dois importantes papéis no campo dos direitos humanos: indutor e garantidor.
Ainda que a situação tenha mudado, principalmente pela forte atuação de Sheikha Mozah, mãe do atual Emir catari, que se destaca na luta pelos direitos das mulheres, o caminho ainda é longo para que a liberdade delas seja um direito assegurado e defendido pelo governo.
A Fifa pode até tentar suprimir os protestos, a polícia pode tentar calar as mulheres que se manifestam em Doha, mas a Copa do Mundo é e sempre será uma plataforma de debate político. Não há como evitar e não há dúvidas de que esta discussão está apenas no começo.