É comum vermos a associação das palavras deficiência à superação. Quando o esporte está embutido então, a presença é quase 100% garantida. Super-atletas, guerreiras, heroínas, vitoriosas, superando limites… todas formas de, em tese, elogiar os paradesportistas.
Sim, em tese. Isso porque esse discurso é “capacitista”, ou seja, trata de maneira preconceituosa e discriminatória todas as pessoas com deficiência. Em uma sociedade que possui, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 8,4% da população acima de 2 anos – o que representa mais de 17 milhões de pessoas – com algum tipo de deficiência, entender e abordar o tema é fundamental.
Por isso, e para homenagear a Mês da Mulher, o Papo de Mina preparou o segundo episódio do podcast da série Minas Olímpicas sobre as paratletas, a falta de apoio que elas enfrentam e os discursos preconceituosos que ouvem de quem desconhece o potencial dessas mulheres.
PRECONCEITO X OPORTUNIDADE
Enraizado na sociedade, o capacitismo está em atitudes do dia a dia. Temos a tendência de menosprezar e desacreditar das pessoas que possuem algum tipo de deficiência. Ou você nunca olhou com “dó” ou algum outro sentimento de “pena” para alguém em uma cadeira de rodas, com deficiência intelectual ou motora, acreditando que tal pessoa não teria capacidade - e atenção para a força dessa palavra - de realizar determinada atividade?
Quem dirá, então, praticar um esporte!
Foi isso que pensou Evelyn Oliveira. Ela possui atrofia muscular progressiva, uma doença congênita, que a afetou em todo o desenvolvimento. “Eu nunca andei, pois desde cedo tive atrofia dos membros superiores e inferiores, com perda de força muscular”, conta.
Sem acesso a muitas informações ou médicos, Evelyn não frequentou a escola até os 18 anos de idade - não a aceitavam nas escolas por precisar chegar no colo de alguém. Mais uma prova do preconceito, dos obstáculos e da falta de oportunidades oferecidas a quem possui algum tipo de limitação.
Em 2010, quando estava terminando o ensino médio, foi abordada por uma professora do SESI/Suzano, que perguntou se ela conhecia as modalidades paradesportivas.
O primeiro pensamento de Evelyn? “Não sou capaz”.
“Na minha cabeça não tinha como eu fazer qualquer tipo de esporte, pelo meu grau de deficiência. Eu estava me autosabotando”, explica.
“Você leva tantos ‘nãos’ na cabeça quando mais nova que quando aparece uma oportunidade de um ‘sim’ você já pensa, ‘ah, mas e se não der certo? É só mais uma coisa para me entristecer’”, relembra.
Se na época, com 22 anos, Evelyn não tinha maturidade para se sentir suficientemente capaz de praticar um esporte, boa parte da culpa está justamente nessa cultura de ode ao perfeito e ao “normal”, como se houvesse um protótipo de ser humano incapaz de falhar.
Não somos acostumados a dar apoio ao novo. Mas ter alguém que abrisse as portas e apresentasse a bocha - esporte que Evelyn não conhecia - era o que ela precisava. Medalhista de ouro nos Jogos Paralímpicos Rio-2016, se define hoje como uma improvável.
“Se fosse pegar as estatísticas de pessoas de sucesso, talvez eu não estaria nelas justamente pelas oportunidades que eu não tive”, finaliza.
ESPORTE COMO FERRAMENTA DE MUDANÇA
Para as pessoas com deficiência, especialmente para as mulheres, o esporte representa o enfrentamento de barreiras muito maiores do que físicas ou cognitivas. É algo que, nós mulheres, normalmente não experimentamos durante a vida: apoio à prática esportiva. No entanto, a atividade física nos torna mais realizadas, autoconfiantes e seguras de nossas próprias capacidades.
Sabrina Custódia, atleta paralímpica, sabe como o envolvimento com o esporte é fundamental. Aos 19 anos ela sofreu um acidente ao tentar arrumar a antena da TV da sua casa, e recebeu uma descarga elétrica de 3400 volts. Com dois braços, uma perna e cinco dedos do pé amputados, foi no esporte que ela encontrou forças para se reabilitar e retomar a vida.
“Comecei com a natação, depois ganhei a lâmina para a prótese e comecei a correr. Em 2012 foi minha primeira competição, e ali fui criando outros tipos de sonho, porque eu não pensava em ser atleta”, diz.
Criar a oportunidade e se permitir se ver como alguém em total condições de realizar aquilo que se propõe é o primeiro passo para fazer com que as outras pessoas também enxerguem dessa maneira.
Sabrina descobriu o esporte e queria ter seu nome “escrito em algum lugar”. Hoje ela é recordista brasileira nos 200, 300 e 400 metros do salto em distância e campeã brasileira de ciclismo, além de praticar diversas outras modalidades.
Os esportes paralímpicos estão prontos para dominar o mundo? Ainda não.
Mas, aos poucos, as coisas estão mudando. E pequenos passos, como mais mulheres no esporte, e menos discursos capacitistas, já são grandes vitórias.
Evelyn relembra, com grande emoção, a experiência nos Jogos Paralímpicos Rio-2016, com as arenas lotadas, e reforça o discurso:
“Aquelas pessoas investiram seu dinheiro para assistir à disputa esportiva, e não ver para pessoas com deficiência se superando. Ali comecei a ver um ponto de mudança, uma certa transformação”.