Regra transfóbica na natação é um retrocesso preocupante

Decisão da Fina só aceita atletas com transição antes dos 12 anos e deve influenciar outras modalidades

21 jun 2022 - 05h00

A cena vista em março deste ano, com o pódio de Lia Thomas, primeira transgênero a vencer um título de natação na liga universitária dos Estados Unidos, não deve mais acontecer. Isso porque a Federação Internacional de Natação (Fina) anunciou uma nova política para a modalidade, válida a partir desta segunda-feira (20).

Lia Thomas, nadadora trans dos EUA, sofreu discriminação no pódio ao vencer prova de 500 jardas livres
Lia Thomas, nadadora trans dos EUA, sofreu discriminação no pódio ao vencer prova de 500 jardas livres
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Mulheres transgêneros que fizeram a transição após os 12 anos de idade, ou seja, que passaram pela puberdade masculina, não podem participar de competições internacionais de natação, como as Olimpíadas, por exemplo.

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A regra se enquadra no que foi decidido pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) em novembro de 2021, quando a entidade transferiu para as federações de modalidades esportivas a possibilidade de definir os critérios para participação de atletas transgêneros e intersexuais. Vai, porém, totalmente contra o item 5.1 desta mesma nova diretriz, que afirma que “nenhum atleta deve ser impedido de competir ou deve ser excluído da competição com base em uma vantagem competitiva injusta não verificada, alegada ou percebida devido a suas variações de sexo, aparência física e/ou status de transgênero”.

Há, comprovadamente, uma supremacia de atletas trans nas competições? Desde o dia 17 de junho ocorre o Mundial de Esportes Aquáticos, em Budapeste, e nenhuma mulher trans sequer subiu ao pódio em alguma prova.

Essa falta de evidências de que as atletas trans levam de fato vantagem contra mulheres cis é um dos argumentos de Megan Rapinoe, jogadora da seleção norte-americana de futebol. Nome importante na luta pela equidade de gênero, Rapinoe usou a palavra “nojento” para definir o banimento, e afirmou ser “100% favorável à inclusão trans”, em entrevista concedida à revista Time.

"Estamos falando de crianças", argumentou a jogadora. Este é um outro ponto fundamental para discussão, uma vez que decisão da Fina permitirá apenas atletas com transação feita antes dos 12 anos - dois anos a menos do que a idade mínima recomendada pela Associação Mundial para Saúde de Transgêneros para o processo de transição.

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Megan Rapinoe se manifestou contra decisão da Fina e defendeu inclusão nos esportes
Foto: Reuters

PRECEDENTE PARA OUTROS ESPORTES

A decisão da Fina deve corroborar para que outras federações sigam o mesmo caminho e afastem cada vez mais os atletas trans do esporte. Sebastian Coe, presidente da World Athletics, disse à BBC que até o fim do ano deve rever as diretrizes da modalidade, e defendeu que "a biologia supera o gênero”.

Numa postura agressiva e preocupante, que vai de encontro às lutas contra o preconceito, Coe ainda alegou que a justiça para as mulheres no atletismo sempre virá antes da inclusão.

A União Ciclística Internacional (UCI) também realizou, na última semana, uma mudança que afetou a participação de atletas transexuais. Na modalidade, o nível de testosterona permitido caiu para 2,5 nmol/L e o período de tempo necessário para competição depois da conclusão da transição de gênero dobrou para 24 meses.

Anne Lieberman, diretora da Athlete Ally, organização sem fins lucrativos que advoga pelos direitos dos atletas LGBTs, foi bastante assertiva ao se pronunciar sobre os novos critérios da natação - e que devem impactar as outras modalidades

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“Os novos critérios de elegibilidade da Fina para atletas transgêneros e atletas com variações intersexuais são profundamente discriminatórios, prejudiciais, não científicos e não estão alinhados com a diretriz do Comitê Olímpico Internacional de 2021 sobre justiça, inclusão e não discriminação com base na identidade de gênero e variações de sexo”, afirmou em comunicado.

Essas decisões caminham no sentido contrário de tantas conquistas do esporte como ferramenta de inclusão de raças, gêneros e tantos outros quesitos sociais, e nos faz lembrar com tristeza das primeiras edições de Jogos Olímpicos, quando mulheres e negros não participavam, ou nas poucas exibições eram recebidos com preconceito. Ou, para não ir tão longe, ao período de proibição das mulheres na prática do futebol.

É fundamental que o esporte, que tanto atua como espelho da sociedade, caminhe para frente, quebrando paradigmas sem discriminações.

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