Sebastian Vettel anunciou, por meio de um vídeo em seu recém-criado Instagram, a aposentadoria da Fórmula 1. Após 15 anos na principal competição do automobilismo, muito acima dos títulos e das conquistas sobre quatro rodas, Vettel deixará uma lacuna na luta por diversidade no esporte. Pode soar estranho para quem só vê a figura de um cara no topo da cadeia social, porém, dentre os 20 pilotos do grid, Vettel é um dos poucos que “vestem a camisa” de movimentos sociais. Ele fala sem medo sobre igualdade e reconhece a responsabilidade que tem além das pistas.
O anúncio veio na manhã do dia de imprensa no GP da Hungria e gerou comoção. Afinal, basta uma olhada rápida no histórico de Vettel para entender que este é o prenúncio do fim de uma era. Era na qual o tetracampeão agiu de forma humana diante da intolerância, provando que o atleta não só pode - como deve - levantar bandeiras e combater o preconceito, ainda que seja um homem branco, hetero e privilegiado. Inclusive, ser um aliado das minorias é o que fez de Vettel, muitas vezes, um cara polêmico.
Uma das várias ocasiões em que Vettel se posicionou foi na edição passada do mesmo evento deste último fim de semana. No GP da Hungria de 2021, ele usou uma camiseta com as cores da bandeira LGBTQIA+, que continha a frase “same love” (mesmo amor) escrita.
Apesar de parecer simples, o gesto foi um protesto e aconteceu em um país que, há pouco mais de um ano, criou uma lei para proibir a liberdade de expressão da comunidade LGBTQIA+. Vettel não seria diretamente afetado por essa lei, mas resolveu protestar. Um sinal de empatia que não tem a mesma adesão da maioria de seus concorrentes no grid.
Já em Jeddah, na Arábia Saudita, o piloto pôde ir além do protesto. No país em que a lei só permitiu em 2018 que as mulheres pudessem dirigir, ele promoveu um evento de kart 100% feminino no ano passado. Além disso, durante a execução do hino no GP, ele vestiu uma camiseta assinada por todas as mulheres que correram com ele. Junto às assinaturas, a frase escrita era “race for women” (corrida pelas mulheres).
O interessante é pensar que até o final do ano passado, os pilotos tinham um curto período de tempo para fazerem protestos e se manifestarem em prol das causas que acreditam. Este tempo, aliás, foi concedido no final de 2020 para acompanhar a campanha de marketing do campeonato, com o slogan “we race as one” - em português, “nós corremos como um só”. No entanto, a FIA (Federação Internacional de Automobilismo) barrou os protestos no início desta temporada.
Em tese, Sebastian Vettel quebrou os protocolos, mas, como garantiu em seu vídeo de despedida: “Toda pequena ação faz a diferença.”
“Eu acredito na mudança e no progresso”
Enquanto escrevia sobre os feitos do piloto alemão, cheguei a me questionar se valeria a pena falar sobre isso ou se ele só estava fazendo o que, acredito eu, todos deveríamos estar fazendo. No entanto, ficou claro para mim a importância de Vettel neste sentido. Afinal, a maioria dos pilotos não se manifesta. Vozes como a dele e de Lewis Hamilton são inconfundíveis e necessárias. Não são só os troféus que fazem deles pilotos incríveis. E, sim, tudo o que eles representam quando não estão dentro de um carro.
Sim, vale a pena falar sobre os feitos de Vettel e sobre o que a ausência dele vai significar, sobretudo porque ele é um exemplo a ser seguido, alguém em quem se espelhar. Alguém que acredita na mudança e no progresso, como ele mesmo disse em seu adeus.
Precisamos de mais Sebastians, de mais Hamiltons e esportistas usando seus holofotes para realizar mudanças e não como uma obrigação. Para Vettel, nunca foi uma obrigação se posicionar. Ele o fez porque acredita, e isso fará falta na F1.
A aposentadoria de Vettel é uma perda para o automobilismo e para o esporte em todos os sentidos. Mas, além dos títulos, ele deixará um ensinamento: você não precisa sofrer preconceito para lutar contra o preconceito. Enquanto houver luta, seja por igualdade, direitos ou respeito, ela será de todos nós. Devemos correr como um só… Devemos correr como humanidade.