“É especialmente doloroso ver que a violência é direcionada por torcedores contra seus próprios times. Fiquei chocado ao ler sobre o caso do jogador que deixou o clube por ameaças feitas à sua família”. A fala é de Gianni Infantino, presidente da Fifa, e abriu o Seminário de Combate ao Racismo e à Violência no Futebol, realizado pela CBF nesta quarta-feira (24).
Quase no mesmo horário que a mensagem de Infantino foi exibida, e no mesmo Rio de Janeiro, torcedores de Fluminense e Corinthians - que jogaram pela semifinal da Copa do Brasil na noite desta quarta - brigaram na praia de Copacabana.
São retratos do que é o atual cenário do futebol brasileiro, que retoma seus piores momentos, como na década de 1990, e se afasta do clima de diversão e comemorações que o esporte deveria proporcionar.
Com as frequentes notícias de brigas nos arredores dos estádios, casos de racismo vindo das torcidas, pressão excessiva de organizadas, pedras e bombas atiradas contra ônibus de clubes adversários, a sensação que domina é a de insegurança.
Você se sentiria seguro para levar, hoje, sua família a um jogo de futebol?
Tendo a apostar que boa parte das respostas seria “não”. Infelizmente. Como alguém que cresceu indo a estádios, quarta e domingo, lamento por essa experiência que a nova geração não vivencia.
E nascida nos anos 1990, eu vi sim cenas tristes de violência nas torcidas - estava, inclusive, no Couto Pereira, em Curitiba, em 2009, quando a torcida do Coritiba invadiu o gramado ao fim da partida contra o Fluminense (que decretou o rebaixamento do clube alviverde) e transformou o estádio em uma cena de guerra. Mas sinto que hoje o medo é maior.
Em entrevista à Folha de S.Paulo, em março deste ano, Bernardo Buarque de Hollanda, pesquisador de Ciências Sociais na FGV, traz uma visão que, junto à impunidade por parte de clubes, CBF e secretarias de segurança, corrobora para essa potencialização das violência por parte das torcidas.
"Durante o período em que as torcidas estiveram longe dos estádios [em função da pandemia de Covid-19], eles conseguiram atrair uma pauta positiva, com as ações sociais que muitas organizadas fizeram. Ironicamente, no momento em que elas voltam a poder ir aos estádios, há um efeito como se fosse uma mola que estava reprimida e há esse ímpeto de violência", diz.
Mas não há justificativa para esses atos. O futebol não pode ser esse lugar inóspito. Aqui é o país do futebol, como destacou Milton Nascimento em música com este nome:
No fundo desse país
Ao longo das avenidas
Nos campos de terra e grama
Brasil só é futebol
Nesses noventa minutos
De emoção e alegria
Esqueço a casa e o trabalho
A vida fica lá fora, a cama
Torcemos para que o clima volte a ser esse, e de “emoção e alegria”, e que as arquibancadas possam se colorir com a presença de famílias, mulheres, crianças, todas as tribos e raças, pois todo mundo merece sentir a sensação de estar em um estádio de futebol sem se preocupar com violência.