Simone Biles e mais cerca de 90 atletas da ginástica artística norte-americana decidiram processar o FBI, principal órgão de investigação dos EUA, por negligência no caso de abuso sexual e assédio cometido pelo ex-médico Larry Nassar.
Segundo as esportistas, o FBI, a Federação de Ginástica dos EUA e o Comitê Olímpico dos EUA trabalharam “durante 421 dias para esconder essa informação do público, permitindo que Nassar continuasse a agredir meninas e mulheres jovens”.
A indenização pedida é de mais de U$ 1 bilhão, cerca de R$ 4,87 bilhões. Mas existe um valor mensurável para esse caso?
“Se o FBI tivesse simplesmente feito seu trabalho, Nassar teria sido detido antes mesmo de ter a chance de abusar de centenas de garotas, inclusive eu”.
Falas como a de Samantha Roy, ex-ginasta da Universidade de Michigan, chocam, mas reforçam a gravidade da falta de punição à época, além da dificuldade que vítimas de abuso têm para convencer os outros - sejam autoridades ou não - da veracidade dos crimes sofridos (esta tema foi abordado em um recente podcast do Papo de Mina, que você pode ouvir aqui).
Seja na sociedade comum, em que uma mulher sofre abuso sexual a cada 10 minutos, de acordo com dados divulgados em 2021 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), ou no esporte, onde três em cada quatro menores foram vítimas de abusos psicológicos ou físicos durante a prática esportiva, segundo estudo conduzido pelo sociólogo de esporte Mikel Hartill, da Universidade Edge Hill, realizado em seis países europeus com 10 mil pessoas, essa violência, muitas vezes silenciosa, é mais comum do que se espera - e do que se gostaria.
No caso das atletas norte-americanas da ginástica, as primeiras denúncias ocorreram em 2015, e foram encaminhadas em julho do mesmo ano ao escritório do FBI, em Indianápolis, e não foram investigadas. Somente em maio de 2016, quando foi aberto um novo relatório, com novas denúncias, as investigações por parte do FBI tiveram início. O processo foi encerrado em 2018, após Larry Nassa
r admitir agressão sexual a mais de 250 ginastas.
Quantas outras histórias são necessárias para que as vítimas sejam ouvidas e tratadas com o respeito que merecem? Quantas denúncias deixam de ser feitas por medo do julgamento ou pela falta de credibilidade nos depoimentos? E com isso, quantos casos de abuso seguem acontecendo sem punição alguma?
Uma rápida pesquisa no Google relembra diversos outros acontecimentos semelhantes a esse. Aqui no Brasil, denúncia de abuso sexual levaram o ex-treinador da seleção brasileira de ginástica artística Fernando de Carvalho Lopes a ser banido do esporte. A ex-nadadora Joanna Maranhão, que sofreu abuso sexual aos 9 anos, por parte de seu técnico, revelou o caso e se tornou uma ativista no combate à violência sexual e à pedofilia, especialmente no esporte. A luta rendeu inclusive uma lei federal em seu nome, que estabelece que o prazo de prescrição de abuso sexual de crianças e adolescentes seja contado a partir da data em que a vítima completa dezoito anos.
Os traumas, porém, não desaparecem com indenizações bilionárias, prisões perpétuas dos abusadores ou leis criadas. McKayla Maroney, ginasta americana campeã olímpica, se refere à omissão das “instituições que deveriam nos proteger” como uma traição, e acrescenta: "é claro que nosso único caminho para a Justiça e a cura é através do processo legal".
Que este seja um exemplo não apenas de posicionamento por parte de atletas, mas também de maior atenção por parte dos órgãos responsáveis, para que casos assim sejam combatidos e não voltem a acontecer.