Pessoas trans, umbandistas e candomblecistas se conectam por diversos aspectos, como a linguagem iorubá, comum em religiões de matrizes africanas e que foi adotada no léxico de trans e travestis – o pajubá.
Há, em comum também, a perseguição. Enquanto a umbanda e o candomblé sãos as religiões mais atacadas na internet e fora dela, o Brasil é líder mundial em assassinatos de pessoas trans. Mas, ainda assim, não é todo terreiro que aceita bem pessoas trans.
Luyza Nogueira, de 23 anos, hoje é sacerdotisa do Terreiro Inzo Ofadeomin, onde é conhecida como Mametu Ofadeomin, a Travesti Preta. Lá, proporciona tratamento acolhedor e humano para pessoas trans e travestis que, assim como ela, já sofreram preconceito dentro da religião.
A construção da identidade de uma pessoa trans é completamente diferente para cada um. Para Luyza, a religião ajudou – e muito – na construção de sua identidade travesti. Mas em um primeiro momento não foi de forma positiva.
Dogmas acerca de aspectos travestis no corpo físico impossibilitaram sua vivência em outro terreiro. O uso de nome morto e negação de sua verdadeira identidade são traumas frequentes na vida da população trans, mas que afetaram também a espiritualidade de Luyza.
“Muitas acreditam que ‘ou você nasce homem ou nasce mulher’ e, afirmam ainda, que o Orixá só reconhece isso”, diz Luyza. Em sua visão, no entanto, o candomblé é um culto a tudo que é natural, uma celebração às forças da natureza e as expressões de gênero e sexualidade nascem com a pessoas de forma natural. “Se algo nasceu em mim é perfeito, é isso que a espiritualidade me ensina”.
História semelhante aconteceu com Yohan Cardoso, 25, um homem trans, que nasceu e foi criado em terreiros de umbanda do Rio de Janeiro. “Cresci no colo de Preto Velho”', conta.
Yohan é o pai de santo Babá Yohan Ti Odé. Ele viu que a umbanda ajudou a lidar com a sua disforia de gênero – insatisfação com o corpo, que pode causar depressão entre diversas outras questões de saúde mental em muitos grupos, entre eles o de pessoas trans.
A umbanda e suas entidades mostraram para Yohan outro olhar sobre seu corpo. “Não existem corpos perfeitos", diz o pai de santo que também saiu de um terreiro por ter sua identidade de gênero negada.
Luyza e Yohan encontraram um terreiro, cada um em seu estado, onde tiveram espaço para serem quem realmente são e se tornarem lideranças religiosas representando mães e pais de santo trans.
A dedicação de uma Mãe e um Pai de Santo
O processo para (os mais novos nos terreiros) se tornar pai ou mãe de santo é demorado e pode durar mais de sete anos. E nem todos têm a vocação para tal serviço, já que a dedicação para cuidar de pessoas e da comunidade que cerca o terreiro não é fácil.
A dedicação de Yohan ao trabalho espiritual é total. Foi na umbanda e nos jogos de cartas e búzios que ele encontrou uma forma de se sustentar e conseguir se dedicar aos cuidados com os filhos.
O fato de ser um homem trans também impossibilitou Yohan de conseguir outros trabalhos, uma realidade entre muitas pessoas trans que estão no trabalho informal, logo a religião também foi a ajuda que ele precisava financeiramente.
Nova forma de cuidar
Luyza tem em seu terreiro na zona leste de São Paulo, um projeto chamado Dandara’s, que visa criar oportunidades para a proteção, qualidade de vida, saúde, cultura e educação com ações voltadas às mulheres e homens trans, travestis e mulheres cisgêneras pretas e periféricas.
“A minha estratégia no projeto Dandara´s é justamente reunir, ouvir e agir em benefício dessas pessoas e suas realidades”, conta Luyza. Segundo ela, a manifestação de uma pessoa trans ou não binária é espiritual e sagrada – daí a necessidade de ser pautada dentro dos espaços religiosos.