Dia Internacional Contra a LGBTfobia relembra avanços conquistados por pessoas LGBTQIAPN+ no Brasil, mas também mostra que legislação específica para crimes contra esta população se faz urgente.
Comemorado nesta sexta-feira, 17, o Dia Internacional Contra a LGBTfobia é avaliado por especialistas como uma oportunidade para lembrar que os direitos da população LGBTQIA+ ainda estão "engatinhando" no Brasil. Ainda que o país tenha avanços para comemorar nos últimos anos, é preciso de mais eficiência para garantir, em especial, segurança e acesso a todos os serviços públicos.
"A busca por direitos não é um caminho fácil e muitas vezes é decepcionante. O Brasil não tem até hoje a lei federal específica sobre LGBTfobia", desabafa o jornalista Rafael Gonzaga. Ele e o namorado foram agredidos por uma mulher dentro de uma padaria em São Paulo, em fevereiro deste ano. A agressora também arremessou um cone de trânsito em direção ao casal.
A ampla repercussão do caso é, para Rafael, um indicativo de que algo está mudando na sociedade, mas ele continua acreditando que mais avanços são necessários. "Ainda estamos lutando pra andar de mãos dadas nas ruas. Precisamos que as autoridades olhem pra LGBTfobia com a urgência que a pauta demanda", pede.
A data de 17 de maio foi escolhida por ter sido quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) decidiu retirar, em 1990, a homossexualidade da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID). No Brasil, a data entrou no calendário oficial em 2010, com um decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), atendendo a uma reivindicação histórica de movimentos sociais.
Crime
Para a especialista em direito LGBTQIA+ ouvida pelo Terra, o ano de 2019 também marca um grande avanço no combate à LGBTfobia, por ter sido quando o Supremo Tribunal Federal decidiu enquadrar a LGBTfobia como crime de racismo. A partir daí, as denúncias e as punições a quem comete crimes contra esta população aumentaram, mas não representam a realidade fielmente.
"Ainda existe uma subnotificação muito grande, o que não permite com que a gente tenha acesso aos dados estruturados e que sejam totalmente verdadeiros", ressalta a advogada Bruna Andrade, idealizadora da Bicha da Justiça, empresa de educação e consultoria jurídica especializada em direitos LGBTQIA+.
Com dados que representam apenas parte da realidade, os casos subnotificados do Brasil seguem preocupando pela gravidade com que acontecem. A violência LGBTfóbica resultou em 230 mortes de pessoas LGBTQIAPN+ no último ano, de acordo com dossiê publicado esta semana pelo Observatório de Mortes e Violências LGBTI+ no Brasil. Uma pesquisa de 2019 da organização de mídia Gênero e Número, realizada com apoio da Fundação Ford, aponta que mais de 90% das pessoas LGBTQIA+ no Brasil relataram ter sofrido algum tipo de violência. Entre essas, 51% alegaram ataques relacionados à orientação sexual ou à identidade de gênero. Destas, 94% sofreram violência verbal. 13% dos casos foram de violência física.
Para a advogada, números como esses demonstram que mais mudanças são necessárias para que a LGBTfobia seja punida com mais eficácia no país.
"A eficácia da legislação ainda está engatinhando. (...) Essa mudança não vai acontecer da noite para o dia. Houve um crescimento no combate à discriminação, seja pelo Poder Judiciário, seja pelos posicionamentos de empresas, seja pelos posicionamentos de políticos e até mesmo da sociedade. Mas você tem um movimento reacionário também que dificulta um pouco com que a legislação seja respeitada e a LGBTfobiacombatida de fato seja combatida. (...) Eu já peguei algumas situações em que o Judiciário se porta de uma forma às vezes mais preconceituosa do que o próprio réu ali daquela ação", completa.
Por conta dessas questõs judiciais, as punições para crimes que inclusive tiveram repercussão nacional costumam demorar. Um dos casos mais emblemáticos no Brasil, que segue na Justiça quase 14 anos, foi o registrado na Avenida Paulista, em São Paulo, em 2010, quando um agressor quebrou uma lâmpada fluorescente na cabeça de uma das vítimas.
"Buscamos reparação moral e patrimonial para a barbaridade que ele suportou e ainda suporta até hoje. Os abalos psicológicos, ao contrário das feridas físicas, são muito mais duradouros. (...) Apesar de todo o tempo de duração do processo, nós já tivemos uma sentença favorável em Primeiro Grau", explica o advogado que representa a vítima na ação de cível, Marcos Seixas Amaral. O julgamento do recurso de indenização de um dos agressores na esfera civel está marcado para 04 de junho.
Para o advogado, mesmo com a gravidade do crime, o fato da vítima não ter se intimidado e ter procurado as autoridades e o Poder Judiciário deve servir de exemplo para quem passa por casos semelhantes. Além disso, ele lembra das condenações que já foram impostas pela Justiça -- houve um processo administrativo, da Secretaria de Estado da Justiça e Defesa da Cidadania, no qual os quatro menores e um maior de idade envolvidos no ataque foram condenados ao pagamento de multa no valor de R$ 25,7 mil cada.
"Além da finalidade sancionatória, as condenações inegavelmente também têm reflexo na sociedade, que passa a debater o tema e principalmente da necessidade de se elaborar legislação específica e adequada, assim como já se fez com relação ao idoso, crianças e adolescentes, violência contra a mulher", afirma.
Demora e falta de informação
Após a repercussão do crime na internet, Rafael Gonzaga hoje dedica tempo em suas redes sociais para disseminar conteúdos que ajudem a população LGBTQIA+ na busca de conhecimento de estruturas e leis que as possam proteger. Além disso, o jornalista divulga informações importantes para vítimas de LGBTfobia compiladas por ele mesmo, uma tentativa de direcionar pessoas em situações parecidas com a dele.
"Punição efetiva (à agressora) ainda não tivemos, mas tanto o relatório final da Polícia Civil, determinando o indiciamento, quanto a decisão do Ministério Público, que oficializou a denúncia, são elementos que nos dão esperança de que teremos justiça para o que passamos naquela padaria", diz o jornalista, que se diz acostumado à inércia das pessoas quando se fala em LGBTfobia.