Iniciamos esta conversa com uma informação que intensifica a importância dela: a Justiça Eleitoral não coleta dados sobre a orientação sexual dos candidatos. Saber quem são as pessoas eleitas por voto popular e que compõe o Congresso Nacional, assim como quais pautas defendem, também faz parte do exercício de cada cidadão dentro da democracia.
O Congresso Nacional, formado pelo Senado e pela Câmara dos Deputados, é o que chamamos de poder legislativo, isto é, onde são fiscalizadas as ações realizadas pelo governo e criadas novas leis. Neste mesmo cenário, o Poder Executivo é representado por chefes de estado como o presidente e o judiciário tem como instância máxima o Supremo Tribunal Federal.
Compreender a formação dos três poderes é importante para assimilar os nossos deveres enquanto sociedade civil na democracia. Afinal, de que participação estamos falando? Por vivermos numa democracia representativa, elegemos representantes que falarão em nosso nome, principalmente na tomada de decisões sobre assuntos públicos. A nossa participação começa no exercício de identificar quem se assemelha aos valores e necessidades que temos no âmbito social, cultural, ambiental, econômico e educacional.
Números que nos representam
A Câmara dos Deputados tem 513 parlamentares, e o Senado, 81 senadores. No atual contexto, depois das eleições de 2022, trata-se de um momento com crescimento da comunidade LGBTQIA+ nas bancadas e, de forma prática, na sugestão de políticas públicas e tomada de decisões. Segundo um levantamento realizado pela organização VOTE LGBT+, a última eleição geral teve 325 candidaturas de pessoas LGBTQIA+. Do total, 59% são disputas por cadeiras nos legislativos estaduais, porcentagem que alerta sobre a dificuldade de chegar a estes espaços por falta de investimento dos partidos, além de segurança e incentivo para que grandes campanhas sejam feitas e gerem resultados.
“Os partidos precisam estimular essas candidaturas através de cursos de capacitação e formação política. Assim como algumas escolas e movimentos fazem, aqui poderia citar iniciativas como o ProLíder, Movimento Acredito, RAPS, RenovaBR, entre outros”, argumenta o advogado especialista em Direitos Fundamentais e Ativista por Direitos Humanos e Diversidade Sexual e de Gênero, William Callegaro.
O advogado defende que os partidos precisam investir recursos em iniciativas que acolhem novos candidatos, mas que se tratam de ideias descontinuadas ou que sequer são iniciadas. "Penso que assim como existe nas candidaturas femininas, as candidaturas LGBTs deveriam ter um determinado percentual mínimo destinado a elas durante o pleito eleitoral; inclusive, já existem propostas legislativas nesse sentido e elas precisam ser discutidas.”
William se refere ao Projeto de Lei 4795/20, que prevê 30% das candidaturas para a comunidade LGBTQIA+, a exemplo do que já é definido para candidaturas femininas em partidos. Desde o início de abril, a PL está na Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara, mas sem novas movimentações. Pensando em como os dados são importantes em cenários como este, o VOTE LGBTQIA+ realizou um levantamento.
Segundo a organização, o investimento financeiro dos partidos em candidaturas LGBT até 2020 era de 2% do teto de gastos previsto para cidades com população de até 500 mil pessoas. E, comprovando a importância da presença da comunidade nas diferentes esferas da política, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, o ministro Alexandre de Moraes, conversou com representantes do movimento e se prontificou a apresentar uma proposta que torne obrigatória ao menos a identificação de gênero no cadastro eleitoral.
O cenário atual e os desenhos para o futuro
“As eleições gerais de 2022 mostraram avanços positivos para a população LGBTQIA+, pois pela primeira vez na história, candidatas trans e travestis ocuparam o Congresso. Erika Hilton se tornou a primeira travesti eleita deputada federal por São Paulo e Duda Salabert por Minas Gerais, além de também ser a deputada federal mais votada da história do estado. Antes delas, só os Deputados Federais Jean Wyllys e David Miranda eram assumidamente integrantes da comunidade LGBTI+ no Congresso Nacional”, relembra William Callegaro.
A comunicadora e militante feminista LGBTQIA+, Debora Baldin, conta que observa com bons olhos a participação e presença da comunidade na política. “Estamos em cada vez mais espaços, disputando os espaços da política tradicional e elegendo cada vez mais representantes e que ainda que diversos, uma maioria alinhada com uma agenda que interesse a nossa comunidade e não só com uma representação pura e simples.”
Uma pesquisa realizada pela iniciativa Gênero e Número, mostra o contexto eleitoral e pós-eleitoral do país quando se trata de violência política contra parlamentares, sobretudo dentro dos próprios partidos. Cerca de 25% dos parlamentares LGBTQIA+ afirmaram ter sofrido violência por pessoas da própria legenda, enquanto 56% tiveram pedidos de ajuda deixados sem resposta, que deixa explícita a falta de suporte dos partidos em episódios de violência enfrentados por seus representantes no Congresso.
O crescimento na presença da comunidade LGBTQIA+ nos espaços políticos, que não se limita ao Congresso, mas está também nas ruas, em organizações e realizações grandiosas como a Parada LGBTQIA+ de diferentes cidades, não garante ainda que as demandas mais urgentes para a sigla serão consideradas ou resolvidas.
“No âmbito legislativo federal, o desafio continua sendo o mesmo: a aprovação de leis de abrangência nacional para a população LGBTQIA+, não podemos ficar dependendo de entendimentos dos tribunais superiores a vida toda”, aponta William, que vê a missão dos novos congressistas além da luta pela aprovação de leis, mas também no impedimento de propostas legislativas que pretendem estagnar ou retroceder com avanços históricos.
“É um trabalho permanente de comunicação e politização da nossa comunidade, aliado a um trabalho muito forte de memória da construção do nosso movimento na sociedade civil. Isso produz inclusive sociabilidade”, enfatiza Debora Baldin, sobre as propostas possíveis para um futuro de mais equidade na política do país. “Nossa comunidade vive uma crescente no processo de reconhecimento de si de modo muito mais veloz do que as gerações anteriores, mas precisa também trabalhar para colocar e formar esses agentes políticos da nossa sociedade para muito além de uma perspectiva eleitoral em movimento.”
“A educação é o caminho mais eficaz”, afirma a analista política Elaine Keller, que vê na educação a principal ferramenta para um futuro mais seguro e igualitário. No mesmo sentido, Debora atribui à memória um papel importante na atuação das novas gerações na política. “Nossos grupos organizados da comunidade que forjaram essa mudança cultural que podemos ver nos últimos anos se organizou muito fortemente no entorno do combate à epidemia do HIV na década de 90, mas as nossas novas gerações muitas vezes não conhecem essa história que também esteve muito concentrada nas grandes cidades.”
Sem deixar de considerar os resultados da última eleição e os impactos disso também para a construção e manutenção de políticas públicas ao longo dos próximos anos, William analisa que o governo eleito tem nas mãos a possibilidade de construir uma realidade razoável para a comunidade.
“O governo Lula elevou para status de Secretaria a pasta LGBTQIA+ e recriou o Conselho Nacional de Direitos LGBTQIA+. Dessa forma, o desafio está na autonomia e orçamento que o órgão terá para executar o trabalho. Esperamos que o atual governo cumpra com os compromissos assumidos durante a campanha eleitoral e proporcione condições mínimas para a execução dos trabalhos necessários da Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+”, conclui.