Definido como um ato de violência física e/ou emocional sistemática, o bullying tem por objetivo intimidar e agredir a vítima, e ainda lhe causar dor e angústia. Este tipo de agressão está presente massivamente em muitas escolas do País, cerca de 10% dos alunos brasileiros relataram ser alvo deste modo de discriminação, segundo dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) divulgados em dezembro do ano passado.
O cantor Bruno Gadiol relata ter sido vítima de bullying durante a infância. Desde os oitos anos, ele sofreu humilhações recorrentes devido às suas preferências, que eram diferentes dos demais meninos de sua idade. Desde muito cedo, o artista começou a sofrer LGBTfobia por não gostar e se identificar por coisas definidas socialmente "de homem" e isso teve impactos até a fase adulta.
"Era uma criança que adorava assistir Disney e tinha um álbum do High School Musical. Um dia jogando futebol na aula de educação física, um menino falou que eu não gostava de menina por todas as minhas preferências, e foi ali que tudo começou", conta.
"Não entendia o que estava acontecendo direito e nem sabia que não podia gostar daquilo, que não era certo. Então, passei a ter medo das provocações e parei de levar o álbum para a escola e nunca mais falei que gostava de High School Musical, porque era coisa de 'viadinho'", relata.
Viver com vergonha de si
Após os primeiros casos de agressão verbal, Bruno começou a "ficar paralisado" e, por vergonha das ridicularizações e medo de represálias, passou a se esconder.
"Fui me fechando e passei a ser um cara visto como tímido. Não falava naturalmente sobre o que gostava, somente debatia isso com amigos específicos, que também tinham um gosto parecido. Não ia, também, as festas, principalmente as da escola, porque me sentia pressionado para beijar as meninas, caso contrário era 'zoado'".
"Nem gosto de lembrar disso, sabe… Para mim, são tão ruins as memórias da escola, me faz mal quando lembro."
Concomitante com o início das agressões, Bruno também começou a reconhecer a sua orientação afetiva sexual. Este foi um momento de grande confusão, segundo ele, pois, além do bullying que condenava sua sexualidade, o artista não tinha referências e nem se sentia confortável para contar de seus sentimentos para alguém.
"Aos oito anos, comecei a ter certa consciência da minha sexualidade, e o bullying discriminava esse sentimento. Então, isso se transformou em um segredo muito grande dentro de mim."
"Passei boa parte da minha infância encontrando maneiras de disfarçar a minha sexualidade."
"Fui tentando lidar sozinho com essa situação complexa sem tanta informação. Carreguei sozinho esse segredo, que parecia um fardo, até os meus 15 anos quando contei para os mais próximos", afirma.
Já como ator do seriado Malhação, Bruno ainda não vivia sua sexualidade livremente, o que o angustiava. As marcas do bullying na infância foram tão intensas, ele conta, que tinha medo de sofrer agressões verbais por não corresponder às expectativas sociais de ser um homem héterossexual.
"Com o tempo, meu terapeuta começou a mostrar que o caminho era me assumir e falar para todo mundo da minha orientação sexual. Porém, retruquei: 'Está doido? Eu não vou fazer isso, não dá para fazer isso, ninguém vai gostar de mim'. Aí ele foi me mostrando o caminho, e no ano seguinte eu, de fato, me senti livre para falar."
Todo este percurso de liberdade e autenticidade, ele descreve em sua primeira canção gravada, Sem Costume, cujos versos dizem: "Vou me apresentar, para te ser sincero, posso me enrolar. O que vai ser dito, nem pude ensaiar…"
Da vergonha para o orgulho: um longo caminho
Espalhar para o mundo que era gay não foi a conclusão de um drama, mas foi o primeiro passo de um ciclo, conta Gadiol. Ainda, segundo ele, havia ainda um processo de cura das feridas do bullying, pois sem esse percurso não era possível viver e buscar com inteireza seus desejos.
"Não foi da noite para o dia a minha cura. Eu achei que eu ia me assumir e 'uau! Agora, não tenho mais traumas e vou ser quem sou em todas as ambientes'. Mas, para mim, não foi assim. Ainda me sentia muito parecido com antes e me questionava: 'Quando realmente vou me sentir tranquilo com isso?'".
Após a revelação, Gadiol afirma que viveu um período de intensos questionamentos e de buscas. A música Metade, segundo ele, é uma síntese dessa procura por autoaceitação misturada com inconformismo.
"Eu quero me admirar e no espelho poder me enxergar. Eu não vou ser mais a metade, colher metades, o medo já não vai me impedir de ser inteiro", cantam os versos da canção.
"Essa música é de 2020, dois anos depois que me assumi gay, e estava me sentindo justamente assim: uma metade. Já sabia de cor toda teoria sobre ser quem sou, minhas escolhas, autenticidade, mas não conseguia ser isso na prática. Sentia que era metade quando tive a coragem de me assumir, mas a outra metade parecia que ainda queria agradar todo mundo e ser o cara hétero que todos pensavam que eu fosse."
"Recentemente, fui ouvir essa música e percebi que não me sinto mais assim, e simplesmente aconteceu de eu estar inteiro".
"Acho que é uma questão de tempo, a vida vai te ensinando e te mostrando. Até acho que criei uma frieza, mas não no sentido negativo da palavra, porque é difícil comentários hostis na internet me atingir e me fazer mal, por exemplo."
Cantar a beleza da vida...
Por fim, o artista diz que todo este caminho dolorido de autoaceitação serviu para valorizar a liberdade de ser quem se é. Como um bom geminiano, Bruno hoje consegue e gosta de se posicionar, o medo de se expressar, segundo ele, ficou no passado junto com as tristes memórias do bullying na escola.
"Passei a vida inteira tentando ser esse personagem que as pessoas queriam que eu fosse. Depois de me desfazer desses personagens, tive que reconstruir uma nova pessoa, mas não sabia quem era e nem quem eu sou. Acho que eu estou descobrindo", conta.
"O caminho de ser verdadeiro com você mesmo não é o mais simples e nem o mais rápido na rota da vida, mas acho que, talvez, seja o caminho que deixa a gente mais em paz", partilha.
Bullying: entenda para combater
Para entender o bullying, prática opressora que atravessa a vida de Bruno Gadiol e de outros tantos LGBTS, é preciso aceitar que a escola não está apartada da sociedade, como explica Pedro Teixeira, professor adjunto do Departamento de Educação da Pontifícia Universidade do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Segundo ele, os estudantes trazem para o ambiente de ensino preconceitos e discriminações que lhe são ensinadas pela família e outras instituições sociais.
Além disso, Pedro explica que o bullying possui três atores, a saber: o agressor, a vítima e os espectadores. Para ele, as ações das direções das unidades escolares estão centradas no agressor e na vítima, porém é fundamental, segundo ele, um trabalho de conscientização dos espectadores.
"É uma oportunidade de você tentar explorar a importância de laços de solidariedade e de ajuda. Podemos formar crianças que saiam de um lugar de passividade e interfiram nas situações de injustiças. O espectador precisa entender que o seu papel perante o bullying é de tentar evitar a prática."
Já sobre o papel da direção escolar, o professor orienta que a gestão da escola precisa atuar rapidamente para coibir os casos e evitar que essas situações se repitam.
"O bullying tem por característica a repetição, não se pode pensar 'se deixar quieto aquilo vai morrer', porque não vai. É preciso dar a relevância devida a estes casos e não empurrar para debaixo do tapete uma situação que pode se agravar", afirma. "Outra coisa: não se pode esperar que a vítima conte que está sendo agredida, porque, na maioria das vezes, isso não vai ocorrer por medo ou vergonha da situação".
Já com os agressores, o professor salienta que a punição por si só não basta. O docente afirma que deve se levar em consideração que é uma pessoa que está em formação. "O aluno deve ser advertido. Talvez a expulsão não seja o melhor caminho em todos os casos. Deve se analisar caso por caso, e se ter claro que é uma pessoa em processo de construção de identidade".
Sobre a vítima, o professor salienta que toda a comunidade deve ter um cuidado e olhar especial, principalmente por quem o acompanha mais de perto, como os professores. Para ele, se o bullying assumiu grandes proporções, a mudança de unidade escolar pode ser a única solução.
"O bullying pode estar em um nível tão grave que o aluno não quer ir mais para escola e começa a ter crises de ansiedade, por exemplo. Ou, até mesmo, tendo ideias suicidas. Nesta situação, pode ser que realmente não tenha muita saída, e seja necessário transferir esse aluno para outra escola."
Para Mariangela Monteiro, professora adjunta do Departamento de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), é preciso ter o olhar atento para a vítima, porque, segundo ela, a pessoa é atingida em um nível emocional muito importante, que é o da autoestima.
"O bullying vai fazendo com que a vítima sofra continuamente, porque ela é atingida no seu sentimento de mais valia. Ela passa a ter menosprezo por si mesma e tem ainda dificuldade de permanecer junto a grupos, devido às ofensas, perseguições e ameaças que sofre", afirma a doscente que ministra a disciplina Psicologia e Educação na universidade. "O bullying é uma coisa muito ruim, pois dificulta a socialização da pessoa".