Em cartaz na peça 'Todo Chapéu Me Lembra Você', o ator Carmo Dalla Vecchia, de 52 anos, está interpretando o personagem Otto, um homem de meia-idade que vive no armário de uma chapelaria por mais de vinte anos. O espetáculo, escrito por Vitor Rocha, está no Teatro Décio Almeida Prado, no Centro Cultural da Diversidade, no Itaim Bibi, na zona oeste paulistana.
A trama tem início com a chegada surpresa do personagem Thomaz, vivido por Theo Nogueira, que é o neto do dono do estabelecimento comercial que o homem faz de abrigo e esconderijo. Com este encontro, Otto necessita partilhar sua intimidade.
"O Otto é uma grande metáfora de um homem que foi trancado no armário durante 20 anos. Fiquei mais de quarenta! Então está tudo certo (risos)", disse ele em entrevista exclusiva à Quem.
"(Esse trabalho) calhou de falar de um tema que, para mim, é muito presente na vida, que é a diversidade e a comunidade LGBTQIAPN+", explica o ator, que é pai do Pedro, de quatro anos..
Atualmente, Carmo trata de sua sexualidade de maneira aberta e descontraída, porém nem sempre foi assim, segundo ele próprio. Com o passar do tempo, o artista notou que falar de sua orientação sexual o ajudaria a acolher a própria sexualidade e se defender dos preconceitos.
"Percebi que eu poderia diminuir o meu próprio preconceito falando do assunto. Eu iria me aceitar melhor. Acho muito estranho quando escuto 'não tenho preconceito' ou 'não sou homofóbico'. Eu mesmo não sei se eu não sou ainda, porque cresci com as pessoas falando que eu era um sujeito errado. Quando alguém que não é gay vem me dizer que não tem preconceito eu arregalo o olho, ‘Ah é? Você tem certeza?’. Daí elas mostram os preconceitos por outras vielas", conta.
“Sair do armário”, não foi fácil para o artista que é casado com o escritor de novelas João Emanuel Carneiro. Na entrevista, ele conta ainda que sua trajetória e vivência com a sexualidade poderia inspirar outros a viverem com liberdade a diversidade.
“Não só por causa das redes sociais, mas depois de eu ter decidido 'agora eu vou falar'. Muita coisa aconteceu até eu chegar neste lugar: idade, muito tempo de psicanálise, pandemia, morte de pessoas queridas e um entendimento maior sobre como o meu exemplo poderia trazer felicidade, alívio e pertencimento a outras pessoas. Talvez essa compreensão tenha feito com que eu quisesse muito falar sobre esse assunto".
Além disso, Carmo conta que a declaração pública de sua homoafetiva não inspira somente o público LGBT+, mas, também, seus familiares e amigos.
“Quando resolvi falar sobre a minha orientação sexual, muitas mães vieram me agradecer. Tem gente que me para nas ruas e fala, ‘obrigado, graças a você eu tive coragem de falar sobre a minha orientação sexual com os meus pais e me deu o exemplo que pode ser legal se abrir’”, partilha.
Contudo, apesar da acolhida de muitos, Carmo afirma que a LGBTfobia ainda está muito presente na sociedade. E este tipo de preconceito atinge, principalmente, pessoas que gozam de privilégios sociais.
“Eu tinha essa intenção também quando resolvi falar. Eu me intitulo de o ‘viado da família brasileira’ porque em algum lugar as pessoas pensaram, ‘Ele é branco, tem passabilidade entre o universo hetero, tem trabalho e família estáveis... Então eu aceito’. Isso é um preconceito. Um gay não precisa ter relacionamento, trabalho e condição financeira estável para ser aceito”.