Longe de Stonewall, ativismo por direitos LGBTQIA+ no Brasil tem lista extensa de conquistas e ícones

Neste 28 de junho, o Terra traz alguns dos principais marcos e nomes responsáveis pelos direitos que a comunidade tem atualmente

28 jun 2023 - 05h00
(atualizado às 13h56)
Aron e Augusto do grupo Dzi Croquettes, em 1973
Aron e Augusto do grupo Dzi Croquettes, em 1973
Foto: Acervo Instituto Moreira Salles

Durante o Mês do Orgulho, é comum haver referências frequentes ao episódio ocorrido no bar Stonewall Inn, em Nova York, como um dos momentos mais importantes para a conquista de direitos da população LGBTQIA+ no mundo. Ainda que a relevância dos acontecimentos seja incontestável, a narrativa do progresso da comunidade no Brasil é igualmente expressiva e repleta de histórias de resistência.

Com a ajuda de três especialistas no assunto, e que também são importantes nomes para o movimento, o Terra elenca alguns dos momentos mais importantes para a população LGBTQIA+ e traz alguns dos principais nomes que contribuíram para que a comunidade alcançasse mais direitos no País.

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Bar Stonewall Inn, em Nova York, mobilizou motim da comunidade LGBTQIA+ em 1969
Foto: Reprodução / Reprodução

O que foi Stonewall e sua importância

Antes, é importante estabelecer o que foi a revolta ocorrida em Stonewall e por que ela é tão importante. Em 1969, o bar Stonewall Inn, em Nova York, era um dos locais mais frequentados pela comunidade e que sempre sofria com ações da polícia. No entanto, no dia 28 de junho, cansadas da repressão policial, pessoas LGBTQIA+ se revoltaram e fizeram um motim.

A partir daí, a data começou a ser considerada um marco da liberação da população LGBTQIA+ e inspirou o ativismo pelos direitos da comunidade em outras localidades. Por conta da data, cidades ao redor do mundo realizam paradas com multidões nas ruas trazendo reinvindicações e celebrando o orgulho de pertencer à comunidade.

Público lota a Avenida Paulista durante a 27ª edição da Parada LGBT+
Foto: Felipe Iruatã/Terra

Por que precisamos falar do movimento brasileiro

Embora a luta LGBTQIA+ tenha um pouco de relação com eventos internacionais, o movimento brasileiro teve suas particularidades, desafios e vozes que se ergueram para combater a discriminação e buscar igualdade de direitos.

Segundo o autor do livro Stonewall 40 + o que no Brasil? e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Leandro Colling, o Brasil precisou de mais dez anos depois de Stonewall para assistir à criação de um grupo homossexual organizado. "Trata-se do grupo Somos, que funcionou de 1978 a 1983. As travestis passaram a ter um grupo próprio apenas em 1992, com a fundação da Associação de Travestis e Liberados - ASTRAL, no Rio de Janeiro". O motivo para essa demora era a grande repressão sofrida pela comunidade LGBTQIA+ durante a Ditadura Militar (1964 - 1985).

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Colling, que é professor no curso de Especialização em Gênero e Sexualidade na Educação da UFBA, conta ainda que um episódio no Brasil parecido com o ocorrido em Stonewall "é atribuído ao que aconteceu no dia 19 de agosto de 1983, no Ferro’s Bar, em São Paulo, protagonizado por lésbicas. Elas frequentavam o bar e queriam distribuir o jornal Chana com Chana no local e o proprietário não queria permitir. Elas resistiram e fizeram uma manifestação que gerou um pedido de desculpas do dono do bar".

Com a organização de um movimento por direitos da comunidade LGBTQIA+, uma série de conquistas foram alcançadas por aqui. Entre ela, é possível destacar:

  • A descriminalização da homossexualidade em 1830;
  • o direito à adoção por casais do mesmo gênero em 2010;
  • a legalização do casamento igualitário em 2013;
  • a criminalização da homofobia pelo Supremo Tribunal Federal em 2019; e 
  • a possibilidade de pessoas trans retificarem seu nome sem decisão judicial em 2018. 

"Avançamos sim, mas ainda falta muito a melhorar, em especial no tocante às políticas públicas. Avançamos em uma imensa expansão da visibilidade e representatividade de nossa comunidade em vários espaços, em especial na mídia e nas ruas, através das Paradas e vários outros eventos. Avançamos também nas três grandes vitórias através das ações que geraram decisões históricas do STF, como a união civil, que depois foi convertida em casamento civil igualitário, equiparação da homofobia ao crime de racismo e a mudança de nome e gênero nos documentos das pessoas trans sem a necessidade de laudo ou ação judicial", pontua Colling, que também aponta alguns entraves.  

"Ainda faltam políticas públicas efetivas e com recursos em todas as esferas administrativas para o respeito à diversidade sexual e de gênero. Cadê o Escola sem homo-lesbo-transfobia, por exemplo? Estamos esperando! Cadê políticas específicas de segurança para acabar com a matança de pessoas LGBT, em especial trans, no Brasil? Temos muito a melhorar também na representação de pessoas LGBT nos parlamentos, que precisam aprovar leis pelos direitos das pessoas LGBT", completa Colling.

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O doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília, Cleyton Feitosa, também entende que houve avanços, mas vê obstáculos para aumentar essas conquistas. Entre eles, está o cenário de grande representatividade nos Poderes Executivo e Legislativo por parte de setores mais conservadores e que muitas vezes barram pautas progressistas.

"A gente vem conquistando diversas importantes iniciativas nessas últimas décadas, mas, ao mesmo tempo, a gente ainda tem muito a melhorar nas políticias públicas. O que eu acredito que a gente tem a melhorar tem relação com o fato da população LGBTQIA+ verem essas políticas chegarem no cotidiano, em suas vidas. Muitas dessas iniciativas também precisam ser efetivadas", diz Feitosa, que também é mestre em Direitos Humanos pela Universidade Federal de Pernambuco e autor do livro Políticas Públicas LGBT e Construção Democrática no Brasil.

"A gente tem um problema no Brasil que é uma ausência de dados. Seria muito importante dados oficiais, dados governamentais, para observar números de violência, por exemplo", conclui Feitosa.

O fundador do Grupo Gay da Bahia, Luiz Mott, afirma perceber que a sociedade brasileira aceita melhor a população LGBTQIA+ atualmente. Porém, "o Brasil é um País contraditório em muitos aspectos. Melhoramos em muitos níveis: a mídia não usa termos preconceituosos e xulos para se referir (à população LGBTQIA+). Há uma maior visibilidade na TV. Políticos e personalidades se assumem com mais frequência. Ao mesmo tempo, famílias ainda discriminam, expulsam de casa. Os assassinatos continuam", explica.

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"A esperança é que as conquistas fiquem e, sobretudo, que as leis sejam aplicadas", conclui Mott.

Alguns dos nomes mais importantes no ativismo

O ativismo LGBTQIA+ no Brasil contou com pessoas que se tornaram ícones na luta pelos direitos da comunidade. Entre esses nomes estão: 

João Antonio Mascarenhas
Foto: Divulgação

João Antonio Mascarenhas: fundador do Movimento Homossexual Brasileiro e do jornal O Lampião, que circulou durante a repressão da Ditadura Militar e abordava desde questões políticas a culturais;

João Silverio Trevisan
Foto: Reprodução/Instagram/@joaosilveriotrevisan

João Silvério Trevisan: escritor e ativista, é autor de obras importantes que abordam a temática LGBTQIA+, como Devassos no Paraíso (1986);

Luiz Mott
Foto: Reprodução/Instagram/@luizmott.png

Luiz Mott: antropólogo, historiador e pesquisador, fundou em 1980 o Grupo Gay da Bahia, a organização não governamental mais antiga de defesa dos direitos da população gay ainda em atividade no Brasil;

Cassandra Rios: escritora e ativista lésbica, deixou um legado para a visibilidade das mulheres lésbicas no País e, mesmo perseguida e ameaçada pela ditadura militar, seguiu escrevendo;

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Dzi Croquettes
Foto: Acervo Instituto Moreira Salles

Dzi Croquettes: grupo de teatro que revolucionou a cena artística brasileira, usando o humor e a irreverência para abordar questões LGBTQIA+;

Keila Simpson
Foto: Reprodução/Instagram/@keilasimpsonsousa.png

Keila Simpson: ativista trans e presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), tem uma voz atuante na luta pelos direitos trans no Brasil;

Paulo Iotti
Foto: Reprodução/Instagram/@pauloiotti.png

Paulo Iotti: advogado que atuou nas ações no STF pelas uniões civis entre pessoas do mesmo sexo, pela criminalização da homofobia e pela mudança de nome e gênero nos documentos das pessoas trans;

Toni Reis
Foto: Reprodução/Linkein/@Toni Reis

Toni Reis: presidente da Alianca Nacional LGBTI+ e diretor executivo do Grupo Dignidade, que atuam na promoção e defesa dos direitos e cidadania da comunidade LGBTQIA+;

Miriam Martinho
Foto: Reprodução/Facebook/Miriam Martinho

Miriam Martinho: mulher lésbica e ativista, luta pelos direitos das mulheres lésbicas e produziu o boletim Chanacomchana, cuja proibição de sua distribuição em um bar paulistano gerou revolta e protestos em 1983;

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Katia Tapety
Foto: Reprodução/Instagram/@katiatapety.png

Katia Tapety: ativista travesti, em 1992 foi a primeira travesti eleita na política no município de Colônia do Piauí;

Brenda Lee
Foto: Reprodução/TV

Brenda Lee: considerada "o anjo da guarda das travestis", a cantora e ativista trans é fundadora da primeira casa de apoio para pessoas portadoras de HIV;

Jorge Lafond
Foto: Vidal Cavalcante/Estadão

Jorge Lafond: ator e drag queen, destacou-se por sua atuação artística e visibilidade;

Jean wyllys
Foto: Reprodução/Instagram/@jeanwyllys

Jean Wyllys: gay, ex-deputado federal e ativista, luta pelos direitos da comunidade e é uma voz importante no cenário político brasileiro;

Erika Hilton
Foto: Reprodução/Instagram/@hilton_erika

Erika Hilton: primeira vereadora trans da cidade de São Paulo e atualmente Deputada Federal, atua na defesa dos direitos LGBTQIA+ e na promoção da igualdade racial.

Os especialistas ouvidos pelo Terra apontam ainda uma importante participação de grupos de teatro, como o pernambucado Vivencial Diversiones e o Teatro Oficina, de São Paulo e artistas como Rogéria, Daniela Mercury, Cássia Eller, Renato Russo, Cazuza, Pabllo Vittar, Linn da Quebrada e Gloria Groove, por terem se destacado no mundo artístico e alcançado as massas.

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Fonte: Redação Terra
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