Conversar com o cantor Mateus Carrilho é uma experiência dissonante. O artista tomou a internet de assalto quando brincava de explorar diferentes sonoridades como membro da banda Uó e agora ambiciona se tornar uma paixão nacional; pelo menos é o que indica o título do seu primeiro trabalho solo. Paixão Nacional (2023), álbum que os fãs aguardaram por seis anos, mistura funk, samba, pop e MPB. Mas não é só na sonoridade que Carrilho provoca um misto de sentimentos.
O músico é muito orgulhoso do próprio trabalho, no melhor sentido da palavra, do tipo que fala sobre a própria música com paixão. Além disso, é um artista com consciência do impacto que pode causar para a sua comunidade. Isso, desde os tempos de banda Uó.
A banda foi um projeto musical que surgiu em 2010 e se destacou justamente pela sua mistura de gêneros musicais, como o pop, o funk carioca e a música eletrônica. Além de Mateus, a Uó tinha como integrantes Davi Sabbag e Mel Gonçalves.
A proposta da banda era inovadora e irreverente, tanto em sua sonoridade quanto em sua estética, e nasceu como uma boa brincadeira. Suas canções, marcadas por letras descontraídas e dançantes, conquistaram um grande público jovem e se tornaram hits nas pistas de dança e nas rádios do Brasil. Apesar de ter encerrado suas atividades em 2017, a Uó continua sendo lembrada como um dos ícones da música pop nacional.
Outra característica marcante da banda era sua representatividade, afinal era composta por dois homens gays e uma mulher trans que falavam tanto de amor quanto de diversão. A Uó nunca pediu licença para existir e já surgiu implodindo barreiras.
Carrilho exala uma energia de uma estrela do pop e sabe disso. E ele tem a consciência de que todo esse trabalho realizado por ele, tanto na banda Uó quanto na carreira solo, o ajudou a estabelecer esse patamar para si mesmo, embora tenha sido um longo processo.
“É um mercado duro, a gente está aqui tentando alcançar lugares que muitos de nós (comunidade LGBTQIA+) não tínhamos alcançado ainda. A gente continuou acreditando que era possível, mesmo quando não era”, afirma o cantor.
Para ele, todo o sucesso que a banda Uó teve ajudou outros artistas da comunidade a se entenderem como pessoas queer, e que existe espaço para essa arte. “A Glória (Groove), a Pabllo (Vittar), todo mundo fala como a banda Uó foi importante, como a nossa trajetória foi importante para elas conseguirem se enxergar como pessoa LGBTQIA+ dentro do pop”, celebra.
Quebrar barreiras é algo que ele faz com certa frequência, tanto na arte, quanto na vida pessoal. Em entrevista exclusiva ao Terra, o músico defendeu que o futuro da arte queer passa também pela política.
“Eu consigo ver a gente cada dia mais forte, mais potente, cada dia ocupando lugares melhores. Eu consigo enxergar uma presidente trans. Nós estamos vendo as meninas na política quebrando tudo. E ninguém vai parar. Se você é preconceituoso, se você acha que o mundo era melhor no seu tempo, o amor, aceita, porque aqui ninguém vai voltar pra dentro do armário”, provoca.
A própria existência de uma banda com aquela formação ou de um artista que não tenha problemas em falar sobre a própria sexualidade já são atos políticos. Na visão do cantor, muita gente se esconde atrás da expressão local de fala, para não se comprometer em promover a luta da comunidade LGBTQIA+. Para Carrilho, o combate à discriminação precisa ser uma atitude da sociedade na totalidade.
Ao ser questionado se ser LGBTQIA+ no Brasil ainda é motivo de medo, Carrilho é enfático. “Muito medo, principalmente agora com a mudança de governo, a gente viu reações extremamente agressivas e desumanas, então dá muito medo. (...) Nós estamos desprotegidos ainda. Dá medo entrar no Uber que você não sabe o que você vai encontrar ali. Dá medo ficar na esquina. Você não sabe o que pode acontecer”, reflete.
Inspirações para o novo álbum
Menino, primeira faixa do Paixão Nacional, é um samba ligeiro que Mateus Carrilho canta sobre um homem que tem um corpo “maravilhoso esculpido por Deus”. Tanto a música quanto o clipe têm uma vibe alegre e descontraída de uma tarde na praia, mas o trabalho explora outros sentimentos.
O músico optou por atender uma parcela de seu público que pediu por músicas que não sejam apenas dançantes, como também tenham um pouco do drama das relações entre as pessoas.
Um dos destaques fica para a faixa Boate Qualquer, que foi inspirada em um drama pessoal vivido por Carrilho, que esperou um amor voltar de uma temporada fora do Brasil e foi trocado por uma boate qualquer quando a pessoa retornou.
“Então, eu acho que a Boate Qualquer é muito sobre aquele relacionamento do qual a pessoa não te coloca em primeiro lugar e que ela sempre está colocando outras coisas que não é você. As pessoas estão se conectando muito com essa música, por isso que todo mundo já passou por uma situação parecida”, conta.
Segundo ele, o público abraçou as canções que flertam com a MPB, como a faixa Rio de Janeiro, que tem uma leve referência ao músico Sérgio Mendes. “Eu achei que eles (os fãs) iam gostar um pouco mais das dançantes, tipo a Noite Perfeita, que vai mais pro lado do funk. Mas não, eles abraçaram as mais a MPB, as mais românticas, e eu fiquei super feliz”, celebra.
Acima de tudo, Paixão Nacional é um trabalho pessoal. Talvez por isso a demora para ser lançado, por acompanhar o seu amadurecimento como artista.
“Nesse ponto acredito que eu fui bem corajoso de realmente querer contar a minha história. (...) Esse álbum é para mostrar o artista que eu sou, e que talvez não estava tão definido ainda”, afirma.