"O casamento era um sonho, tanto pra mim, quanto para o meu ex-marido, o Sérgio Kauffmam. Mas, a gente não tinha um mecanismo. Não existia o casamento civil valendo para um casal como a gente. A única coisa que existia era você ir até um cartório e fazer um registro que você morava com uma pessoa. E isso a gente não queria.
Nós já estávamos juntos há oito anos, tínhamos uma vida e muitos planos. Era um passo natural: o casamento. E com a união civil, a busca por direitos. Nós não procuramos um cartório apenas para fazer um registro, só pra dizer que a gente morava junto, não precisava.
Mas a partir do momento que havia a possibilidade de transformar a nossa união estável em um casamento civil, nós fomos à Justiça para conseguir tornar aquele sonho em uma realidade documentada.
Então, quando a decisão do Supremo Tribunal Federal saiu, nós corremos até o cartório para fazer a nossa união estável. A gente escolheu assinar a união estável no dia 17 de maio, que é o Dia Internacional de Luta contra a LGBTfobia.
Eu tive medo. Eu tinha consciência que de éramos um dos primeiros casais do país a fazer isso e, por isso, existiu uma cobertura enorme da imprensa. A gente não deu nenhuma entrevista até estar com os papéis nas mãos.
No dia 6 de junho, nós pedimos a conversão da união em casamento civil. E marcamos a data para oficializar a união: 28 de julho, dia Internacional do Orgulho LGBTQIAP+.
A gente ainda tinha que aguardar o parecer favorável do Ministério Público e, assim que ele veio, passou tudo voando. Uma amiga, que trabalhava com aluguel de roupas, abriu a loja às 5h da manhã pra que a gente escolhesse o que ia vestir. A cerimônia estava marcada para as 10h. Assim que saímos da loja foi um choque, existia uma fila de carros da imprensa, local e nacional, para cobrir meu casamento.
A cerimônia em si foi muito rápida, nós escolhemos ternos iguais, com gravatas cor de rosa. Sob a mesa que assinamos os papéis, colocamos uma bandeira, símbolo do movimento. Não tivemos festa, mas era mesmo a realização de um sonho.
Eu tinha uma leve noção que aquele era um momento histórico. Assim que o parecer favorável veio, a notícia se espalhou rapidamente. O interesse era muito grande e ainda é. Até hoje não parei de falar sobre a história de tamanha importância que foi. Às vezes, a gente tem noção que fazemos parte da história, mas não tem noção de que está construindo a história. Na época, me falaram: "Vocês têm noção que vocês deram uma virada de página na história? Foi isso que vocês fizeram". Foi quando eu ouvi isso que eu percebi que a minha história era a história.
Vitória de toda comunidade
É só um documento, mas ele é muito importante. Nem todo mundo reconhece o que significa ser casado no civil. Na época, nós fizemos um levantamento que apontava que eram negados a casais homoafetivos mais de 100 direitos que casais heterossexuais sempre puderam usufruir, inclusive ao de se separar na Justiça, com divisão de bens.
Um dos exemplos mais cruéis disso está relacionado à doença. Se eu adoeço e sou internado, quem é que vai responder por mim? Eu vivo dez anos com um companheiro, mas se nós não somos casados, ele passa a não ter direito a gerir ali a minha vida naquele momento, porque ele não está legalmente na minha família. Eu teria que ser cuidado pela minha família, que nem sempre tem uma relação boa com pessoas que são LGBTQIA+.
Pra mim, falando só de mim, o meu casamento foi muito importante. Não era só a realização de um conto de fadas, como Sérgio falou na época, mas por causa da coletividade. Toda a comunidade teve um ganho muito importante devido ao meu casamento.
Direito de se casar e também de se divorciar
Nós ficamos casados por cinco anos, e eu acho isso lindo. Se você ama alguém, está apaixonado e quer se casar, se case. Basta ir lá no cartório, levar os documentos e pronto, vai ser publicado até os proclamas. Mas, reflita bastante, porque o casamento também é uma responsabilidade.
A gente está falando de amor e uma relação em que tudo pode acontecer, que nem o meu caso aconteceu. Chegou em algum momento que não era mais pra continuar. Mas tudo bem, se resolve, inclusive a separação, que está entre os direitos. Mas, case e seja feliz. Ame bastante. Acho que o mundo precisa cada vez mais disso, de muito amor.
A parte que falta
A gente já evoluiu muito de 2011 pra cá, mas ainda falta muito. A gente fala de uma exclusão das pessoas LGBTQIA+ e essa exclusão é secular. Então, é preciso que haja uma reparação com essa população. Claro que precisamos de políticas públicas, mas não só de políticas, mas de orçamento para que essas políticas aconteçam.
Não basta ter vontade governamental ou das organizações. É preciso que também o mundo corporativo leve isso para dentro dos seus espaços. O mercado de trabalho é difícil para os homossexuais, mas é ainda mais difícil para as pessoas trans. Então ainda tem muitas coisas a serem conquistadas, por isso que a luta não para."