Vagas afirmativas não garantem ascensão de pessoas trans no mercado de trabalho

Preconceito estrutural e falta de investimento em educação formal e qualificação são principais barreiras para cargos de liderança

15 mai 2023 - 05h00
Vagas afirmativas, em geral, não são para posições-chave ou cargos de liderança
Vagas afirmativas, em geral, não são para posições-chave ou cargos de liderança
Foto: iStock

Hoje (15) é Dia do Orgulho de Ser Travesti e Transexual, mas, pelo menos em se tratando de mercado de trabalho para essas pessoas no Brasil, ainda falta muito para ter o que comemorar. Embora as questões envolvendo a saúde mental dos colaboradores tenham ofuscado o tema da Diversidade & Inclusão nas empresas com o surgimento da pandemia de Covid-19, o fato é que nunca se falou tanto na necessidade de maior pluralidade nas organizações.

Desde a recomendação do Instituto de Governança Corporativa (IBGC) de variar os gêneros dos participantes dos conselhos até a visão de que negócios com equipes diversas têm um diferencial de mercado, a D&I parece ser a ordem do dia.

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Sim, parece, no entanto uma pesquisa rápida em sites de emprego para pessoas trans permite checar que praticamente todas as vagas afirmativas não são para posições-chave ou cargos de liderança, mas, sim, para postos de entrada como recepcionistas ou ocupações com grande rotatividade a exemplo do atendimento de telemarketing.

De acordo com um dossiê da Associacão Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) de 2021, 33% das pessoas trans têm renda média de até um salário mínimo. Segundo a edição 2022 da mesma publicação, cerca de 40% das mulheres trans e travestis atuam como profissionais do sexo. E o último Mapeamento das Pessoas Trans no Município de São Paulo levantou que 57% das pessoas trans entrevistadas não possuem formação técnica ou específica para a ocupação de determinados cargos no mercado de trabalho. Mais de 70% dessa população tira sua renda de trabalho temporários e informais (bicos). No cerne das estatísticas revela-se o preconceito estrutural.

"A discriminação generalizada com base na orientação afetivo sexual e identidade e expressão de gênero desempenha um papel central na negação da igualdade de oportunidades e na garantia de direitos básicos para as pessoas LGBTQIA+. Muitas vezes exilados de suas famílias, os recortes mais vulneráveis dessa população, como as pessoas trans, têm negadas oportunidades de educação", comenta João Torres, presidente-executivo do Instituto +Diversidade, organização sem fins lucrativos que tem como missão promover o trabalho digno e a geração de renda para todas as pessoas LGBTQIA+.

Torres explica que as empresas, no geral, acabam considerando como alternativa célere para ampliar a diversidade de seus times utilizar a estratégia de vagas afirmativas para posições de entrada, onde geralmente há um maior volume de oportunidades para oferta. "O desafio das organizações é o de pensar em caminhos para desenvolver a carreira dessas pessoas depois que elas passam em seus processos seletivos. Como essa população em geral teve menos acesso a desenvolvimento universitário e profissional, as empresas engajadas na pauta deveriam proporcionar oportunidades de aceleração de carreira a elas", opina.

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Qualificação e direitos

Para Rafaelly Wiest, diretora administrativa e da área de Diversidade & Inclusão da Aliança Nacional LGBTI, a vulnerabilidade em relação à educação, desde o Ensino Fundamental até o Médio passando pelos cursos técnicos e de graduação, é um dos principais entraves para pessoas trans construírem uma carreira ou galgarem degraus numa corporação. "A absorção de pessoas trans em vagas afirmativas por conta do pilar da diversidade crescente nas empresas é um movimento positivo. Porém, isso não significa necessariamente a criação de vagas afirmativas nem a chance de subir na carreira. Pelo o que sei, por exemplo, existem menos de dez mulheres trans no Brasil em cargos executivos", observa.

Investir na formação e dar oportunidade às pessoas trans que tiveram dificuldade com o acesso à educação formal com cursos à distância, programas de qualificação, tutorias e mentorias no contraturno para que não haja prejuízo ao salário são algumas das estratégias que Rafaelly destaca como primordiais para reverter esse quadro. Sem educação não há crescimento, mas sem oportunidade também não é possível investir na formação - e as empresas devem pensar nisso com urgência.

Ela diz que uma trajetória profissional consolidada deveria se iniciar desde o acesso à educação básica até o respeito aos direitos das pessoas trans no dia a dia do trabalho, como a retificação de pronomes, o uso do nome social e a permissão do uso de banheiro - uma "questão social" segundo Rafaelly - conforme a identidade de gênero.

Letramento inicial de empresas e times facilita com que pessoas trans possam ser absorvidas num ambiente seguro e preparado
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A falta de letramento de empregadores e times sobre as particularidades dessa população é outro desafio. Uma pesquisa do Grupo Pela Vidda realizada em 2022 com 147 pessoas trans revelou que uma em cada quatro sofreu discriminação, sendo o desrepeito ao nome social, a tortura psicológica e a proibição do uso de banheiro adequado ao seu gênero as formas mais manifestadas.

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O movimento de vagas afirmativas, na opinião de Rafaelly Wiest, não garante o acolhimento das pessoas trans no mercado de trabalho. "O ideal é preparar primeiro com letramento empresas e times e depois pensar em estratégias efetivas para que as pessoas trans sejam absorvidas num ambiente seguro e preparado. Não adianta só ter vaga afirmativa sendo que o seu time e a sua empresa não estão preparados para atender as questões de pessoas trans", avisa.

"A falta de respeito com populações mais suscetíveis à discriminação ainda é o obstáculo maior, do ponto de vista social e cultural, que a sociedade precisa superar", acredita.

Mercado de trabalho não está preparado para receber pessoas com deficiência
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Fonte: Redação Nós
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