Parlamentares indígenas se dividem sobre aprovação do marco temporal no Senado

Célia Xakriabá (PSOL-MG) e Silvia Waiãpi (PL-AP) divergem sobre o projeto de lei que pode mudar drasticamente as regras de demarcação de territórios indígenas no País

24 ago 2023 - 15h33
(atualizado às 15h36)
Indígenas protestam contra o marco temporal na frente do Congresso Nacional
Indígenas protestam contra o marco temporal na frente do Congresso Nacional
Foto: Gabriela Biló/Estadão

BRASÍLIA - Aprovado nesta quarta-feira, 23, pela Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado Federal, o projeto de lei do marco temporal, que determina que só podem ser demarcadas as terras indígenas que eram tradicionalmente ocupadas ou que já estavam em disputa judicial em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal, divide representantes deste grupo étnico no Congresso Nacional.

Além da análise Senado, o marco temporal também está sendo debatido em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Em junho, o ministro André Mendonça pediu vista e paralisou a apreciação da Corte. O placar está em 2 a 1 para declarar a tese inconstitucional. No início deste mês de agosto, a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, expressou ao Estadão a sua expectativa para que o Supremo "enterre" de uma vez a proposta.

Nas eleições de outubro do ano passado, duas mulheres indígenas que carregam consigo o nome dos seus povos foram eleitas para compor a Câmara dos Deputados. Uma delas é a professora Célia Xakriabá (PSOL-MG), eleita com 101.070 votos. A outra, a militar Silvia Waiãpi (PL-PA), que foi escolhida por 5.435 amapaenses. Apesar de representarem a população originária brasileira, as parlamentares têm visões conflitantes sobre o projeto que pode impactar as demarcações de terras.

Publicidade

Para Waiãpi, que é aliada do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e se orgulha de ter sido a primeira mulher indígena a integrar o Exército Brasileiro, o marco temporal seria uma forma de "dar um ponto final" nos conflitos fundiários. Mas para Xakriabá, que chegou à Câmara após uma campanha que defendeu a ocupação dos povos originários no centro do Poder, a medida pode significar um "assassinato" dos direitos resguardados pela Constituição.

Marco Temporal vai acabar com conflitos por terra, defende deputada indígena do PL

A deputada Silvia Waiãpi, pertencente ao povo waiãpi que vive no Norte do Brasil, recebeu duras críticas por parte de movimentos indígenas no final de maio deste ano, após ter votado a favor do marco temporal quando ele foi aprovado pelo plenário da Câmara dos Deputados por 283 votos a 155. Segundo a parlamentar, o seu voto refletiu uma necessidade de garantir uma "segurança jurídica" para todos os brasileiros e, por isso, os comentários negativos não a abalaram. "Eu vim para cá sabendo que eu ia ser criticada, mas eu não voto em projetos em que eu não estou de acordo", afirma.

Waiãpi avalia que o projeto de lei é uma esperança para acabar com os conflitos por terra no país. Segundo ela, determinar que as demarcações sejam levadas adiante apenas se os povos requerentes ocuparem determinado local no dia da promulgação da Constituição representará um avanço jurídico. A parlamentar afirma que, como indígena, não se acha no direito de "retirar moradias de outras pessoas" por ter antepassados que já ocuparam um território, ou então por precisar "resgatar uma memória cultural".

Ao ser questionada sobre a aprovação do marco temporal na comissão do Senado, Xakriabá disse que o resultado mostrou o interesse da bancada ruralista, que chamou de "bancada do desmatamento", e afirmou que é necessário que cada vez mais indígenas estejam presentes na Câmara dos Deputados em próximas legislaturas. Ao reforçar a sua desaprovação ante a proposta, a psolista citou o ex-presidente da Casa, Ulysses Guimarães.

Publicidade

"Hoje foi falado muito sobre a Constituição, e eu falo que, se Ulysses Guimarães estivesse vivo, ele estaria, no mínimo, revoltado com esse ataque à democracia. É impossível pensar em um Brasil que caminha para frente e que não reconhece a importância dos povos indígenas. (...) Desde 1500, apenas modificaram a arma para matar os povos indígenas, mas não a intenção", afirmou a parlamentar.

A parlamentar afirma que os defensores da proposta tentam dividir a opinião dos povos indígenas através de narrativas, e que a intenção por trás disso seria o avanço da mineração e do garimpo nos territórios ocupados pelos nativos. A esperança de Xakriabá sobre uma possível reversão do andamento do marco temporal está no STF. Ela diz confiar em um julgamento pela inconstitucionalidade da medida. "Nós não vamos permitir. A Constituição é muito certa, e é inconstitucional qualquer tentativa de adentrar os territórios indígenas", disse.

Fique por dentro das principais notícias
Ativar notificações