Pastor é processado por associar religiões afro e islâmica ao demônio

Anaji e Idafro querem prisão de líder religioso por pregação em que ele chama crenças não cristãs de satânicas

1 set 2023 - 10h24
(atualizado às 10h29)
Pastor Jack associou religiões não cristãs ao demônio durante uma pregação aos fiéis, gravada e publicada em rede social
Pastor Jack associou religiões não cristãs ao demônio durante uma pregação aos fiéis, gravada e publicada em rede social
Foto: Reprodução./Redes sociais / Alma Preta

A Associação Nacional de Juristas Islâmicos (Anaji) e o Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-Brasileiras (Idafro) fizeram uma representação criminal contra o Pastor Jack e notificaram extrajudicialmente a Igreja Vintage após o líder associar religiões não cristãs ao demônio durante uma pregação aos fiéis, gravada e publicada em rede social.

"Religiões afro são satânicas. Budismo, demoníaco. Islamismo, demoníaco. Entenda você que os demônios sempre farão promessas para você. Os demônios fazem promessas — e, primeiro, promessas de poder. 'Ah, se eu fizer tal coisa, se eu fizer tal trabalho'. Umbanda, batuque é demônio. 'Ai, mas isso é por questão racial'. Não. Religiões afro são satânicas", afirmou o pastor.

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Segundo o advogado Hédio Silva Jr, presidente do Idafro, a declaração incita o ódio nos fiéis.

"Toda a narrativa é construída no sentido de dizer que budismo, islamismo e afro-religiosidade são sinônimos de derrota pessoal, morte eterna, aprisionamento e satanás. O discurso de ódio tem como principal característica repercutir na conduta das pessoas. A violência verbal encoraja as pessoas à violência física, que estatisticamente afeta terreiros e mesquitas", sustenta, em entrevista à Alma Preta.

No caso das religiões afro, para Silva Jr, a fala do pastor também se trata de racismo religioso por ser um "insulto a uma religião com motivação racial. No caso do Brasil, uma religião associada aos negros".

Na notificação, a Anaji e o Idafro pediram que o vídeo com as pregações e outras versões dele que circulam nas redes sociais fossem excluídos. Uma notificação também foi enviada à Meta, empresa responsável pelo Instagram, e o conteúdo já foi removido da plataforma. Fundador da igreja evangélica localizada em Porto Alegre (RS), o Pastor Jack acumula 134 mil seguidores em sua conta no Instagram. Em um outro vídeo, o líder religioso defende que "não existem cristãos de esquerda".

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Pastor pode ser preso

Com a representação criminal aberta no Ministério Público Federal (MPF), a expectativa das instituições é de que o Pastor Jack seja indiciado e preso. O presidente do Idafro destaca que o líder religioso continua a usar as redes sociais para reiterar suas declarações preconceituosas, o que configura "crime permanente".

Jack pode ser enquadrado na lei federal nº 7.716, de 1989, que dispõe sobre os crimes resultantes de raça, cor, etnia e religião. A pena prevista é de um a três anos de reclusão e multa.

Em menos de dois anos, dois pastores evangélicos foram presos por pregar contra cultos não cristãos no país. Em maio, Aikalon Berto, da Igreja Dunamis, foi preso em Igarassu (PE) acusado de ofensa à "dignidade da coletividade" por associar pinturas alusivas às religiões afro-brasileiras como "feitiçaria e "entidades satânicas".

Já em fevereiro de 2022, Tupirani da Hora Lores, líder da igreja pentecostal Geração Jesus Cristo, foi detido no Rio de Janeiro (RJ) por promover discursos de ódio contra a população judaica.

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PL quer desassociar proselitismo religioso de discurso de ódio

De acordo com os juristas ouvidos pela reportagem, no Brasil é comum que lideranças evangélicas se valham do proselitismo religioso — prática de tentar converter alguém para uma determinada religião, seita ou doutrina — para atacar outras manifestações de fé.

Na Câmara dos Deputados, em Brasília (DF), está em tramitação um projeto de lei que propõe a retirada do proselitismo religioso como prática discriminatória da Lei do Crime Racial, aquela em que o Pastor Jack pode ser enquadrado.

O texto é de autoria dos deputados federais Márcio Marinho (Republicanos/BA), Capitão Alden (PL/BA) e David Soares (União/BA).

O advogado Girrad Mahmoud Sammour, presidente da Anaji, reforça que a declaração feita pelo líder religioso "agride o sagrado alheio" e não pode ser protegida pela "liberdade de expressão religiosa".

"Ele foge do proselitismo religioso para uma guerra religiosa. Ele faz as pessoas acreditarem que as outras religiões pregam o mal, que elas são o próprio mal. A nossa constituição preza por uma sociedade plural e sem preconceitos, mas ele se blinda do proselitismo para praticar crimes nesse e em outros vídeos, como quando compara a religião islâmica com atos terroristas que acontecem fora do país", analisa.

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A Alma Preta procurou o Pastor Jack e questionou seu posicionamento acerca do processo. Até a publicação deste texto não houve resposta. Caso o líder da Igreja Vintage se manifeste, a reportagem será atualizada.

O Ministério Público Federal (MPF) também foi questionado a respeito do andamento do inquérito, mas não se manifestou até a publicação da reportagem.

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