O filho de Mãe Bernadete, Jurandir Wellington Pacífico, esteve na Igreja do Senhor do Bonfim, em Salvador (BA), para a missa do sétimo dia da ialorixá e líder quilombola morta a tiros na última quinta-feira (17) no Quilombo Pitanga de Palmares, localizado na região metropolitana da capital baiana.
Em entrevista à imprensa, o gestor cultural e também líder quilombola comentou sobr os momentos difíceis que a família tem passado desde o assassinato de Mãe Bernadete. "Perdi o meu único irmão e agora a minha mãe com requintes de crueldade, mas eu sou uma pessoa que tem muita fé em Deus e todos esses que estão fazendo o mal, que esse mal nunca vai chegar até a mim e toda arma levantada contra mim e a minha família a partir desse último ocorrido não prosperará", pontuou.
Emocionado, Jurandir destacou o papel da liderança quilombola. "Minha mãe é uma pessoa que o Brasil inteiro conhecia, uma pessoa boa, que só fazia o bem só que tem um porém: eu sempre digo que lutar pela minoria, pela classe proletariada, a classe negra, às vezes você paga uma conta que é dura, lutar contra o sistema é complicado", ressaltou.
No dia do crime, Mãe Bernadete, de 72 anos, estava na associação do Quilombo Pitanga dos Palmares com os netos quando dois homens entraram no local e atiraram contra a ialorixá. Ao todo, Bernadete foi morta com mais de 20 tiros, sendo 12 no rosto e 10 no tórax. Até o momento, ninguém foi preso e a investigação segue em sigilo.
Dentro da catedral da Igreja, Jurandir também rebateu os comentários sobre a declaração do governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), de que uma das hipóteses para o assassinato de Mãe Bernadete seria a disputa de facções criminosas na região. Atualmente, ele e a família estão sob escolta da Polícia Militar da Bahia.
"Quero agradecer ao governador do Estado pela proteção que estou tendo. Tem muita gente falando muita besteira, falando mal e o momento não é esse, eu estou aqui para agradecer a todos vocês que estão dando apoio, não estou aqui para criticar ninguém", afirmou Jurandir, que completou: "A justiça será feita: lá em cima Deus e aqui embaixo Xangô".
Ato por justiça
Em frente à Igreja do Senhor do Bonfim, entidades do movimento negro, ativistas e religiosos fizeram um protesto contra a letalidade policial e pediram por justiça pelo assassinato de Mãe Bernadete e o seu filho, Binho do Quilombo, assassinado em 2017. Até hoje os responsáveis pelo crime não foram encontrados.
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A manifestação faz parte do ato "Jornada dos Movimentos Negros Contra a Violência Policial", realizado em todo o país por diversas organizações e movimentos e tem como mote "Pelo fim da violência policial e de Estado, nossas crianças e o povo negro querem viver! Chega de Chacinas!".
Dentre as reivindicações cobradas pelos movimentos estão a regulamentação e obrigatoriedade das câmeras nos uniformes de agentes de segurança pública; reconhecimento dos terreiros como espaços do sagrado e pela titulação dos territórios quilombolas no Brasil; proteção e garantia da vida aos defensores de direitos humanos quilombolas e de matrizes africanas, entre outros.
Segundo dados da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), 30 quilombolas foram assassinados no Brasil, sendo a Bahia com o maior registro de assassinatos (11). Ainda de acordo com a Conaq, a maioria das vítimas era liderança e grande parte dos assassinatos aconteceram dentro dos quilombos e com uso de armas de fogo, sem que as vítimas tivessem chance de defesa.
Presente na missa, o Frei Davi, fundador da Educafro, informou que a partir da próxima quinta-feira (31) a Igreja realizará uma vigília dedicada aos 11 quilombolas assassinados na Bahia nos últimos dez anos.
"Nós vamos manter essa vigília de pé até o dia que o governador e os seus secretários de segurança prender os mandantes e os assassinos. Para nós é uma vergonha que um Estado tão importante quanto esse não tenha capacidade de prender quando as vítimas são quilombolas e indígenas", disse o religioso à Alma Preta Jornalismo.
A Educafro também entrou com uma ação na justiça da Bahia por danos morais coletivos contra a população negra pelo assassinato de Mãe Bernadete, segundo conta o advogado da Educafro, Mario Soares.
"A Educafro ingressou a ação civil pública por entender que houve negligência ou falta de capacidade técnica do Estado na preservação de Mãe Bernadete, que é a 11ª quilombola assassinada de forma brutal na Bahia e por isso entramos com o pedido de reparação por danos coletivos para amenizar o sofrimento da comunidade negra, em especial dos quilombolas", explica o advogado.
A ação também solicita uma indenização de R$ 143 milhões e o valor será destinado para bolsas de estudos para pessoas negras, especialmente quilombolas, em universidades no Brasil e no exterior.