Uma pessoa cega entra na sala de cinema, está sozinha, carrega um pacote de pipocas e uma garrafa com água. Ela encontra a cadeira marcada, se acomoda e acompanha todo o filme. Na hora de levantar para ir embora, com a mão escorregadia, derruba o smartphone no chão e não consegue encontrar.
Imediatamente, a pessoa pressiona por cinco segundos o botão do dispositivo preso a um colar que ela pediu na entrada, cadastrado com seu nome, a fileira e o número da poltrona que ocupa. O equipamento manda um chamado de assistência à mesa de controle do cinema e um funcionário vai até o local para procurar o smartphone perdido.
Antes de entrar na sala, o cliente cego havia escolhido o filme por meio de um cartaz exposto no saguão. Uma película transparente tem informações em relevo, com base no braile, e foi colada sobre o QR CODE no canto inferior direito do quadro. Além de ler os dados com as mãos, a pessoa também pode apontar o celular e acessar uma página com mais detalhes do filme.
Essas duas soluções fazem parte da tese de conclusão do doutorado em design defendida pelo publicitário, designer, pesquisador e professor Diego Normandi Maciel Dutra, de 39 anos, aprovada pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP) e publicada neste mês. A pesquisa foi financiada pela Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
Ele propõe novos modelos e propostas de acessibilidade, design e desenho universal para a inclusão de pessoas com deficiência nos cinemas.
"Percebi que há uma área borrada sobre o que seriam acessibilidade, desenho universal e design inclusivo. Faço uma crítica ao termo 'universal' porque, na perspectiva que apresento, não vejo como possa haver algo universal, me parece muito amplo e tendendo à utopia, um sonho, um ponto no horizonte que se deve buscar, mas com a consciência de que não será alcançado. Projetar com metas de obter o desenho universal gera o risco de não chegar a nenhum resultado", diz o publicitário.
"Design Inclusivo é uma concepção semelhante. A diferença é o termo 'inclusivo', que é mais fácil de ser conquistado, é mais pragmático e exequível. No entanto, quando se trata de desenho inclusivo, se parte da concepção de novos produtos. Eu argumento muita coisa não precisa ser criada, mas equiparada. E quando falo em equiparação, não me refiro a adaptação, porque adaptar tem relação com fazer alguma 'gambiarra' no que já existe. A ideia de equiparar tem base na perspectiva de participação do usuário com deficiência no processo de desenvolvimento de produtos e serviços a serem equiparados. Na minha pesquisa, o serviço a ser equiparado é o cinema", explica.
No trabalho do pesquisador, o serviço de cinema é dividido em realização, distribuição e exibição. Cada etapa tem fases que permitem o desenvolvimento de estratégias inclusivas, ferramentas e processos acessíveis.
"Acessibilidade é um processo ferramental. E quando se fala em fomentar a inclusão, se fala em considerar o fenômeno sistematicamente, ou seja, inclusão é complexa e sistêmica. Então, convido o design de serviço como abordagem para auxiliar no desenvolvimento de projetos para equiparação inclusiva", detalha.
O professor afirma que a proposta é aplicar esse conceito em qualquer tipo de serviço ou desenvolvimento de produto. "É um método de exploração de problemas no qual se propõem soluções e o uso de ferramentas que permitam acesso, independentemente das condições sensoriais e motoras dos participantes. Em todas as etapas, há necessidade da participação das pessoas que serão beneficiadas pelo serviço, bem como das pessoas que oferecem o serviço", diz.
"O dispositivo preso ao colar usado na sala de cinema surgiu durante a execução do método de equiparação, uma vez que se identificou essa provação e se sugeriu esse recurso como possibilidade de solução. A ideia tem analogia no que ocorre dentro de um avião quando o passageiro aciona o botão no painel e faz um chamado à tripulação", comenta o pesquisador.
"A película transparente com informações em braile colada sobre o QR CODE pode ser usada em qualquer lugar ou produto, no cartaz de cinema, caixa de remédio, item na prateleira do supermercado. É um recurso muito rico, pode ser vendido em uma cartela, como as etiquetas que se usava na década de 1990 para identificar cadernos e livros escolares".
Diego conta que a ideia surgiu da consideração de que as pessoas cegas não têm acesso à programação de cinema, especialmente às informações nos cartazes.
Exclusão dominante - Diego Normandi também aborda na tese o conceito de 'exclusão dominante', aquela que não gera desconforto aos cidadãos, mas as práticas inclusivas, por sua vez, causam incômodo.
"Isso se percebe quando alguém olha de forma capacitista para alguma pessoa com deficiência que 'ousa' fazer algo que a sociedade acredita ser um direito apenas das pessoas sem deficiência. É um chamado à projeção de uma sociedade regida pela lógica da inclusão dominante".