Pesquisador defende método de equiparação para acessibilidade e faz alerta sobre ataques a práticas inclusivas

Diego Normandi questiona o conceito de desenho universal e propõe novos modelos para a inclusão de pessoas com deficiência no cinema.

21 jun 2023 - 12h10
(atualizado às 13h15)

Dispositivo inspirado em equipamentos de aviões é proposto para uso por pessoas com deficiência nas salas de cinema.

Uma pessoa cega entra na sala de cinema, está sozinha, carrega um pacote de pipocas e uma garrafa com água. Ela encontra a cadeira marcada, se acomoda e acompanha todo o filme. Na hora de levantar para ir embora, com a mão escorregadia, derruba o smartphone no chão e não consegue encontrar.

Imediatamente, a pessoa pressiona por cinco segundos o botão do dispositivo preso a um colar que ela pediu na entrada, cadastrado com seu nome, a fileira e o número da poltrona que ocupa. O equipamento manda um chamado de assistência à mesa de controle do cinema e um funcionário vai até o local para procurar o smartphone perdido.

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Antes de entrar na sala, o cliente cego havia escolhido o filme por meio de um cartaz exposto no saguão. Uma película transparente tem informações em relevo, com base no braile, e foi colada sobre o QR CODE no canto inferior direito do quadro. Além de ler os dados com as mãos, a pessoa também pode apontar o celular e acessar uma página com mais detalhes do filme.

Essas duas soluções fazem parte da tese de conclusão do doutorado em design defendida pelo publicitário, designer, pesquisador e professor Diego Normandi Maciel Dutra, de 39 anos, aprovada pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP) e publicada neste mês. A pesquisa foi financiada pela Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

Ele propõe novos modelos e propostas de acessibilidade, design e desenho universal para a inclusão de pessoas com deficiência nos cinemas.

"Percebi que há uma área borrada sobre o que seriam acessibilidade, desenho universal e design inclusivo. Faço uma crítica ao termo 'universal' porque, na perspectiva que apresento, não vejo como possa haver algo universal, me parece muito amplo e tendendo à utopia, um sonho, um ponto no horizonte que se deve buscar, mas com a consciência de que não será alcançado. Projetar com metas de obter o desenho universal gera o risco de não chegar a nenhum resultado", diz o publicitário.

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"Design Inclusivo é uma concepção semelhante. A diferença é o termo 'inclusivo', que é mais fácil de ser conquistado, é mais pragmático e exequível. No entanto, quando se trata de desenho inclusivo, se parte da concepção de novos produtos. Eu argumento muita coisa não precisa ser criada, mas equiparada. E quando falo em equiparação, não me refiro a adaptação, porque adaptar tem relação com fazer alguma 'gambiarra' no que já existe. A ideia de equiparar tem base na perspectiva de participação do usuário com deficiência no processo de desenvolvimento de produtos e serviços a serem equiparados. Na minha pesquisa, o serviço a ser equiparado é o cinema", explica.

Película transparente com informações em braile é colada sobre QR CODE em cartaz.

No trabalho do pesquisador, o serviço de cinema é dividido em realização, distribuição e exibição. Cada etapa tem fases que permitem o desenvolvimento de estratégias inclusivas, ferramentas e processos acessíveis.

"Acessibilidade é um processo ferramental. E quando se fala em fomentar a inclusão, se fala em considerar o fenômeno sistematicamente, ou seja, inclusão é complexa e sistêmica. Então, convido o design de serviço como abordagem para auxiliar no desenvolvimento de projetos para equiparação inclusiva", detalha.

O professor afirma que a proposta é aplicar esse conceito em qualquer tipo de serviço ou desenvolvimento de produto. "É um método de exploração de problemas no qual se propõem soluções e o uso de ferramentas que permitam acesso, independentemente das condições sensoriais e motoras dos participantes. Em todas as etapas, há necessidade da participação das pessoas que serão beneficiadas pelo serviço, bem como das pessoas que oferecem o serviço", diz.

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"O dispositivo preso ao colar usado na sala de cinema surgiu durante a execução do método de equiparação, uma vez que se identificou essa provação e se sugeriu esse recurso como possibilidade de solução. A ideia tem analogia no que ocorre dentro de um avião quando o passageiro aciona o botão no painel e faz um chamado à tripulação", comenta o pesquisador.

"A película transparente com informações em braile colada sobre o QR CODE pode ser usada em qualquer lugar ou produto, no cartaz de cinema, caixa de remédio, item na prateleira do supermercado. É um recurso muito rico, pode ser vendido em uma cartela, como as etiquetas que se usava na década de 1990 para identificar cadernos e livros escolares".

Diego conta que a ideia surgiu da consideração de que as pessoas cegas não têm acesso à programação de cinema, especialmente às informações nos cartazes.

Exclusão dominante - Diego Normandi também aborda na tese o conceito de 'exclusão dominante', aquela que não gera desconforto aos cidadãos, mas as práticas inclusivas, por sua vez, causam incômodo.

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"Isso se percebe quando alguém olha de forma capacitista para alguma pessoa com deficiência que 'ousa' fazer algo que a sociedade acredita ser um direito apenas das pessoas sem deficiência. É um chamado à projeção de uma sociedade regida pela lógica da inclusão dominante".

Diego Normandi, natural de Fortaleza (CE), é publicitário, designer, pesquisador e professor.

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