Caminhar entre salas de espera e corredores gelados de hospitais é parte da vida da atriz Dani Guedes desde a infância. Aos 11 anos, ela foi diagnosticada com escoliose idiopática grave, uma condição que leva à curvatura lateral da coluna. "Eu poderia ter recorrido à cirurgia ainda criança, mas eu sempre fugi", diz. "Na minha época, era uma cirurgia bem mais perigosa do que hoje."
No entanto, aos 38 anos, durante uma apresentação de teatro musical, Dani sofreu um acidente. "Minha costela grudou na minha bacia", conta ela, que não viu saída e precisou recorrer ao processo cirúrgico. Para fixar sua coluna, foram necessários 24 pinos e duas hastes. "Por conta disso, desde 2018, quando fiz a cirurgia, minha coluna está em um processo de degeneração mais acelerado", revela.
No ano seguinte, andando de patinete, mais um acidente, que exigiu uma nova cirurgia às pressas. Durante a recuperação, outra descoberta: Dani estava com um tumor na hipófise - uma glândula localizada na base do cérebro, responsável pela produção de hormônios. "Era um tumor de quatro centímetros, que cobria a hipófise, então não foi possível recuperá-la. Não produzo mais nenhum hormônio, preciso repor todos", revela. "É um processo de adaptação muito longo."
Enfrentando preconceitos
Todos esses acontecimentos trouxeram impactos na vida da atriz. E também em seu corpo. "Quando operei, meu corpo ficou ainda mais torto", diz. "É como se meu cérebro não entendesse que minha coluna ficou reta. Fiquei com algumas alterações no andar. Eu manco, jogo meu ombro para cima", relata.
Por ter se tornado uma pessoa com deficiência, Dani precisou enfrentar o capacitismo. "Eu via muito preconceito em alguns testes que fazia por conta do meu desvio na coluna", diz. "Eu sabia que não era por falta de empenho que eu não passava nos testes. Era por conta do meu corpo torto", conta.
Fora dos palcos, no ambiente corporativo, as dificuldades eram semelhantes. Dani conta que, em muitas situações, as pessoas não acreditavam que ela era capaz de executar determinada tarefa pelo simples fato de ser uma pessoa com deficiência. "A pessoa com deficiência tem de provar mil vezes mais que ela é capaz", afirma.
Diante disso, ela foi em busca de meios para lidar com a situação. "Quando sentimos dor, usamos mecanismos de defesa. E o meu era fingir que aquilo não estava acontecendo", conta. Logo, ela percebeu que essa não era a melhor forma de enfrentar os desafios. Foi preciso trabalhar sua autoestima - e isso fez toda a diferença.
Isso não significa, no entanto, que não houveram desafios de autoestima e aceitação. "Quando eu comecei a perder o cabelo após a descoberta do tumor, foi uma das fases mais agressivas de todo o processo. Mais do que toda a dor, que toda internação que sofro", diz. "Eu tinha o cabelo longo, que escondia minha escoliose, e tive de cortar". relata. Ter uma rede de apoio foi essencial para Dani.
Mas ela reconhece que essa não é uma realidade para todos. Segundo o Instituto Vidas Raras, 80% das mulheres que têm condições raras ou com filhos raros são abandonadas. Dani explica que esse é um indicie muito alto, que mostra que a inclusão ainda não acontece de forma plena na sociedade.
Ela acredita que falte visibilidade para pessoas com deficiências raras. "Minha ideia é que nós sejamos ouvidos de verdade para que se diminua o preconceito e o capacitismo. Essa é minha luta, é por isso quero falar", defende. Para Dani, isso se faz através da arte.
Nos palcos
Neste sábado, 3 de junho, ela estreia 'Stronger - A mais forte', nos palcos do Teatro Sérgio Cardoso, um equipamento da Secretaria da Cultura e Economia Criativa com gestão da Amigos da Arte, que fomenta produções culturais. Na peça, duas mulheres compartilham seus medos e aflições no depósito de uma loja de departamentos em Nova York, nos anos 1950. Inclusão de pessoas com deficiência e doenças raras é um dos temas abordados. E há muitas semelhanças entre a atriz, Dani Guedes, e sua personagem.
"Foi um dos processos criativos mais difíceis que eu tive", afirma. "Algumas frases da peça tocam muito intimamente em mim. Eu fiz uma pergunta que a personagem também faz na peça. Eu perguntei para o meu médico e para os meus melhores amigos se meu marido teria perdido o interesse em mim porque eu tive um tumor cerebral. É uma frase muito difícil de dizer", conta.
A peça é para todos, mas Dani enxerga que também é um espaço para que mulheres com deficiências raras e organizações que acolhem essas pessoas possam se identificar. "Através do espetáculo e da arte, podemos dar empoderamento a essas mulheres, podemos tornar essas doenças conhecidas e fazer com que profissionais de saúde saibam como lidar com essas pessoas," diz. É mais do que uma montagem de teatro. É um exercício de empatia."
Inclusão por meio da arte se tornou a prioridade de Dani - e também seu propósito de vida. "Eu não sei quanto tempo eu tenho, mas o tempo que eu tiver é para propagar a informação e desenvolver a empatia. É por isso que vim ao mundo, com esse propósito", afirma. "Temos uma voz e vamos fazê-la ecoar."
O espetáculo fica em cartaz até 25 de junho, com sessões os sábados, às 18h, e aos domingos, às 15h. Os ingressos variam de R$ 20 a R$ 50 e podem ser adquiridos pelo Sympla. A duração é de 70 minutos e a classificação indicativa é 14 anos. O Teatro Sérgio Cardoso esta localizado na Rua Rui Barbosa, 153, na Bela Vista, São Paulo.