Considerada uma das principais causas de bullying, a gordofobia nas escolas têm sido negligenciada e, algumas vezes, incentivada através da associação da gordura corporal com doenças, má alimentação e sedentarismo. É o caso da estudante, Laura Duarte*, que cursa o 2º ano do Ensino Médio numa escola da rede particular de ensino, na zona norte do Recife, a primeira capital brasileira a aprovar uma lei anti gordofobia nas escolas. “Eu sei que não tenho o corpo padrão, então percebo quando as colegas estão sendo gordofóbicas, muitas vezes eu chamo atenção para o quanto isso é ofensivo e elas tentam amenizar dizendo que não é o meu caso, que eu não sou tão gorda assim”, desabafa.
Dados apresentados na quarta edição da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar -PeNSE, realizada em 2019, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, mostram que cerca de 20% dos estudantes brasileiros percebia-se gordo ou muito gordo, sendo encontradas as maiores proporções entre alunas (25,2%) e oriundos de escolas privadas (26,2%).
Os efeitos deste fenômeno que gera rejeição e exclusão das pessoas começa a ser vivenciado nas escolas, mas logo passa a ser sentido em todas as relações sociais têm mobilizado atores sociais para combater o que, a partir dos anos 90, passou a ser denominado pelo termo Gordofobia.
No Brasil, o primeiro livro sobre o tema foi publicado somente em 2019. “O peso e a mídia: as faces da gordofobia” é fruto da tese de doutorado em comunicação da jornalista Agnes Arruda. “Gorda desde a infância, sempre soube que era tratada diferente por causa do tamanho do meu corpo, mas sem saber dar nome ao que enfrentava. Quando me dei conta da existência da gordofobia, nunca mais viu o mundo com os mesmos olhos. E passei a me dedicar a mostrar como esse preconceito age e retroage na vida das pessoas”, revela.
Lívia Gomes é madrasta de um menino de 8 anos com sobrepeso. Ela conta que certa vez o garoto se sentiu excluído de uma brincadeira e perguntou: “eles não querem brincar comigo porque sou gordo?”. “Eu fiquei impressionada ao ver que de alguma forma ele tinha sofrido alguma violência ou bullying que o marcou tão profundamente a ponto de achar que outras crianças iriam excluí-lo por esse motivo”, desabafa.
“As crianças não têm mecanismos de defesa desenvolvidos para entenderem que estão sofrendo um preconceito e se acostumam com essa realidade desde cedo. Há uma ideia generalizada entre as pessoas gordas de que determinadas coisas, determinados lugares, não são para elas, isso porque desde criança elas foram acostumadas a se anular por não caber nos espaços, nas roupas, nos bancos etc”, explica Arruda.
Foi preciso muita luta, debate e produção acadêmico-científica para que, no ano passado, estes anseios por transformação social virasse pauta de uma audiência pública realizada na cidade do Recife, capital de Pernambuco, que culminou na aprovação da Lei nº 18.832, de autoria da vereadora Cida Pedrosa (PCdoB). A partir de então, todos os estabelecimentos de ensino públicos e privados localizados no município deverão disponibilizar carteiras escolares adequadas à pessoa gorda e garantir o ensino livre de discriminação ou práticas gordofóbicas.
Segundo Agnes Arruda, trata-se de uma importante conquista. “A gordofobia é um preconceito estrutural, institucionalizado, logo também é responsabilidade das instituições garantir que ele seja combatido”, afirma.
Para garantir a execução e fiscalização da Lei, a parlamentar também aprovou o projeto de emenda à Lei do Plano Plurianual (2022-2025) do Recife assegurando condições físicas e materiais de acessibilidade à educação na rede municipal.
Na prática, a exigência de carteiras adaptadas foi inserida no edital da próxima licitação destes equipamentos para as escolas da rede pública municipal, também ocorreu a inclusão da temática na formação dos professores que integram o quadro de servidores da Secretária de Educação do Recife e a disseminação de conteúdos educativos e informativos nas redes sociais, assim como, a realização da campanha de conscientização “A Medida Certa é o Respeito” pela Prefeitura do Recife em seus canais de divulgação oficiais e em meios físicos (banners) em locais de ampla circulação na cidade.
“Nossa grande conquista tem sido a ampliação do debate para além das salas de aula. Já estamos dialogando também com a Secretaria de Saúde do Município. Explodem grupos anti-gordofobia, e as pessoas agora se amparam na lei para terem assegurados seus direitos e receberem o tratamento respeitoso e digno que merecem. Além disso, vereadores de outros municípios estão nos procurando para levar esse avanço legal para suas cidades, pautando a temática em outros lugares”, destacou Cida Pedrosa.
“É um passo importante. Se desde cedo elas sabem que há como ter seus lugares garantidos, elas podem exigir isso durante a vida adulta também”, concluiu Agnes Arruda que, recentemente, abriu um financiamento coletivo para a construção e publicação do seu próximo livro "Pequeno Dicionário Antigordofóbico".
*O nome e sobrenome foram trocados para preservar a identidade da jovem.