PF e Ibama vão tirar garimpeiros do território Yanomami com a ajuda de militares, diz ministra

Governo federal declarou emergência em reserva indígena diante do aumento dos casos de malária e de desnutrição; avanço da mineração irregular ameaça saúde das comunidades

24 jan 2023 - 05h10
(atualizado às 08h05)
Ministra Sonia Guajajara
Ministra Sonia Guajajara
Foto: Reprodução Facebook

Caberá à Polícia Federal e ao Ibama, com o auxílio do Ministério da Defesa retirar os garimpeiros do Território Indígena Yanomami, na Amazônia, disse ao Estadão nesta segunda-feira, 23, a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara. Desde sexta-feira, dia 20, foi declarada emergência em saúde pública no local, que tem sofrido com casos de insegurança alimentar, desnutrição infantil e falta de acesso a serviços de saúde.

No Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami, que tem 30,4 mil habitantes, houve 11.530 casos confirmados de malária em 2022. Segundo Sonia, houve a titular da pasta que coordena as ações emergenciais diz que investiga a informação de que sete crianças morreram na reserva só neste mês.

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Por trás do desastre humanitário, está o garimpo ilegal que contamina as águas com mercúrio, leva insegurança e doenças aos Yanomamis e impede que eles plantem e coletem seus alimentos na floresta. Segundo ela, o plano emergencial prevê a distribuição de alimentos para as aldeias, deslocamentos para levar para o atendimento em saúde e a devolução aos territórios dos que já estão saudáveis.

O que não foi feito na gestão passada, segundo a ministra, por falta da disponibilização de uma aeronave. O Estadão não conseguiu contato com o ministro Marcelo Queiroga, da gestão Jair Bolsonaro (PL), para comentar as críticas que têm sido feitas ao trabalho na reserva Yanomami. Em canais no Telegram, Bolsonaro disse que a situação retratada é "mais uma farsa da esquerda" e afirmou que a saúde dos indígenas "foi uma das prioridades" da sua gestão, destacando o trabalho feita na pandemia.

"Esse plano não vai adiantar nada se houver somente atendimento à saúde, se a gente não acabar com a raiz do problema. Tirar os garimpeiros também estará nesse plano macro para resolver essa situação", diz. Sonia afirma ainda que outros povos enfrentam situação semelhante. Leia os principais trechos da entrevista:

Como chegamos a essa situação de crise humanitária entre os Yanomamis?

Foi negligência do governo anterior porque houve, sim, denúncias, alertas de várias partes, inclusive o Ministério da Saúde tinha esses dados públicos e nada fizeram para evitar chegar a essa situação de calamidade. E o garimpo ilegal é a raiz de toda essa situação porque leva à contaminação de mercúrio para as águas que eles bebem, insegurança para dentro do território. Impede que produzam seus próprios alimentos como sempre fizeram - da mandioca à abóbora e à batata- a própria insegurança para circular dentro do território, para coletar os alimentos que precisam. O garimpo ilegal acabou gerando essa insegurança e e levando essas doenças para dentro do território. Se o Estado brasileiro não conseguiu ter atuação no sentido de retirar os garimpeiros e levar a saúde, é inevitável chegar nessa situação. É preciso responsabilizar, sim, o governo Bolsonaro por essa negligência ou até mesmo por essa conivência com a desasistência de Saúde ao povo Yanomami.

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Acha que houve conivência?

Houve conivência em relação à permanência do garimpo. Em 2020, a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) entrou com ação no Supremo que gerou a ADPF 709. O ministro (Luís Roberto) Barroso determinou a retirada imediata dos garimpeiros por conta já dessa situação de agravamento de Saúde, contaminação por mercúrio, e a Polícia Federal fez um plano de ação para a retirada, mas nada foi feito para que essa ação fosse operacionalizada.

Também da parte da Saúde, durante a pandemia já havia esses indícios de contaminação e de morte. O governo até se manifestou dizendo que levou medicamentos e equipes, mas o fato é que se tivesse havido eficácia nessa ação, não teria chegado a esse problema. Na verdade, não se tomou atitude antes que se chegasse nessa situação de calamidade.

Declarar emergência em saúde é o bastante para debelar essa crise? E, para além dessa ação, o que o governo federal vai fazer para que essa situação não se repita, para que os garimpeiros saiam de vez dessa região?

Agora é o emergencial. O que importa é salvar a vida dessas pessoas, esse atendimento imediato para garantir alimentação, como suplemento alimentar para aqueles que não estão nem mais em condições de receber o alimento comum. Também o atendimento médico, nutricional e os medicamentos para aqueles que estão com malária e com outros tipos de doenças e reestabelecer a saúde dessas pessoas. [É o momento] de levar de volta para as aldeias aqueles que já estão de alta e que podem voltar, mas estão ali há seis meses, como a gente constatou. Há seis meses alguns estão prontos para voltar para casa e não foram ainda por falta de estrutura, por falta de aeronave, já que é uma região que só tem acesso por via aérea.

Então, agora é essa emergência, mas está sendo elaborado um plano para que no prazo de 45 dias tenha também o planejamento para a distribuição de alimentos para as aldeias, de deslocamentos para levar para o atendimento e da devolução dos que já estão bem. Esse plano não vai adiantar nada se houver somente atendimento à saúde, se a gente não acabar com a raiz do problema. Então, tirar os garimpeiros também estará nesse plano macro para resolver essa situação.

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E isso está contando com auxílio da Polícia Federal, do Ministério da Justiça?

A parte da execução da saúde é a parte de responsabilidade do Ministério da Saúde. Essa atuação sobre a entrada dos garimpeiros é a Polícia Federal juntamente com o Ibama. O MMA (Ministério do Meio Ambiente) também está junto nessa articulação com o Ministério da Defesa para poder garantir a estrutura tanto para a retirada dos invasores quanto para manter uma base permanente lá de fiscalização para evitar a volta dos garimpeiros ao território.

O ministério tem ideia de quantas pessoas, de fato, morreram nesses últimos quatro anos apenas uma estimativa?

Tem um dado público no Ministério da Saúde que afirma que 570 crianças Yanomamis morreram durante esses quatro anos -por contaminação de mercúrio, por malária ou desnutrição. É um dado que não foi constatação nossa e há desconfiança de que esse dado ainda esteja subnotificado porque se não tinha assistência suficiente ali, então pode ser que esses dados também não sejam tão consistentes. Agora, recentemente, tem o dado que a cada 72 horas uma criança estava morrendo nesse primeiro mês de 2023. É uma informação que está sendo apurada pela equipe que está lá.

Os territórios indígenas foram totalmente abandonados pelo poder público durante esses quatro anos de governo Bolsonaro. É muito revoltante a gente constatar como o poder público abandona dessa forma as políticas públicas que garantiriam esse atendimento tão primordial para a vida das pessoas.

Existe a possibilidade de outras etnias estarem passando por algo semelhante?

Existe sim. Uma situação também preocupante é a do Povo Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, que vive insegurança e uma situação permanente de conflitos territoriais, e sem lugar para plantar têm muita dificuldade para produzir seus alimentos. Passando um pente-fino, a gente vai encontrar outros territórios que se encontram nessa situação de insegurança alimentar.

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