O dia 19 de abril ficou conhecido no Brasil todo como o "Dia dos Povos Indígenas". Até o ano passado, a data era conhecida como "Dia do Índio", mas o nome foi mudado por uma lei em julho de 2022.
A origem da data remete a um protesto dos povos indígenas do continente americano ainda na década de 1940, quando um congresso organizado no México se propôs a debater medidas para proteger os índios no território.
O Congresso Indigenista Interamericano, realizado em Patzcuaro, aconteceu entre os dias 14 e 24 de abril de 1940.
Em princípio, os representantes indígenas haviam se negado a participar do evento, achando que não teriam voz ou vez nas reuniões - que seriam comandadas por líderes políticos dos países participantes. Os indígenas, então, fizeram um boicote nos primeiros dias, mas, justamente no dia 19 de abril, decidiram aparecer no congresso para tomar parte nas discussões.
Foi por conta disso que a data acabou sendo escolhida.
Eram 55 delegações oficiais no México. Das Américas, somente Paraguai, Haiti e Canadá ficaram de fora. Entre os índios, eram 47 representantes dos povos de todo o continente - no caso do Brasil, o delegado enviado foi Edgar Roquette-Pinto, que não era índio, mas foi antropólogo, etnólogo e estudioso de povos indígenas da Serra do Norte, na Amazônia.
Com o fim do Congresso, foram definidas algumas medidas genéricas a serem tomadas em favor da defesa dos povos indígenas. Entre elas, estavam o "respeito à igualdade de direitos e oportunidades para todos os grupos da população da América", "respeito por valores positivos de sua identidade histórica e cultural a fim de melhorar situação econômica", "adoção do indigenismo como política de Estado", e, por último, estabelecer "o Dia do Aborígene Americano em 19 de abril".
Não foram todos os países que adotaram a data como dia de celebração da cultura indígena - e no Brasil ele também levou tempo a ser oficializado, já que o país não aderiu às deliberações do congresso.
Somente em 1943 foi instituído decreto-lei instituído pelo presidente Getúlio Vargas, que finalmente estabeleceu a data comemorativa. O responsável por convencê-lo foi o general Marechal Rondon - que tinha origem indígena por seus bisavós e chegou a criar, em 1910, o Serviço de Proteção ao Índio - que depois viria a se tornar a atual Funai (Fundação Nacional do Índio).
"O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o art. 180 da Constituição, e tendo em vista que o Primeiro Congresso Indigenista Interamericano, reunido no México, em 1940, propôs aos países da América a adoção da data de 19 de abril para o 'Dia do Índio', decreta:
Art. 1º - considerado - 'Dia do Índio' - a data de 19 de abril.
Art. 2º- Revogam-se as disposições em contrário", dizia o decreto.
Além do Brasil, Costa Rica e Argentina também adotaram a data.
Do Congresso, saiu também a criação do Instituto Indigenista Interamericano, que se tornou um órgão vinculado à OEA (Organização dos Estados Americanos) em 1953. Depois dele, aconteceram mais 11 edições, sendo a última em 1999, na Cidade do México.
'Dia da Diversidade Indígena'
Até o ano passado, oficialmente a data era conhecida como Dia do Índio.
O uso do termo "índio", no entanto, foi criticado por lideranças dessa área. Doutor em educação pela Universidade de São Paulo e pós-doutor em Linguística pela Universidade Federal de São Carlos, Daniel Munduruku defende que a palavra "índio" remonta a preconceitos - por exemplo, a ideia de que o indígena é selvagem e um ser do passado - além de "esconder toda a diversidade dos povos indígenas".
Por isso, "quando a gente comemora o Dia do Índio, estamos comemorando uma ficção", fala Munduruku, a respeito do 19 de abril. Reflexo disso são celebrações da data feitas por escolas, com uma "figura com duas pinturas no rosto e uma pena na cabeça, que mora em uma oca em forma de triângulo". "É uma ideia folclórica e preconceituosa."
"A palavra 'indígena' diz muito mais a nosso respeito do que a palavra 'índio'. Indígena quer dizer originário, aquele que está ali antes dos outros", defende Munduruku, que pertence ao povo indígena de mesmo nome, hoje situado em regiões do Pará, Amazonas e Mato Grosso.
"Talvez o 19 de abril devesse ser chamado de Dia da Diversidade Indígena. As pessoas acham que é só uma questão de ser politicamente correto. Mas, para quem lida com palavra, sabe a força que a palavra tem", continua o escritor, autor de mais de 50 livros para crianças, jovens e educadores.
Em julho de 2022, o nome foi oficialmente mudado de Dia do Índio para Dia dos Povos Indígenas pela Lei 14.402/22.
A autora do projeto de lei, a então deputada Joenia Wapichana (Rede-RR), disse que a intenção era "ressaltar, de forma simbólica, não o valor do indivíduo estigmatizado 'índio' mas o valor dos povos indígenas para a sociedade brasileira".
O presidente na época, Jair Bolsonaro, chegou a vetar a lei, alegando que não haveria interesse público na mudança, mas seu veto foi derrubado pelo Congresso.