Nas últimas eleições presidenciais, o termo "ideologia de gênero" teve um papel relevante nas discussões e discursos das campanhas, principalmente entre lideranças de movimentos conservadores. O próprio presidente eleito Jair Bolsonaro usou a expressão em seu discurso de posse, afirmando que iria "combatê-la". Com a proximidade das eleições de 2022, tudo leva a crer que a expressão volte a ser adotada por candidatos inclinados à direita — porém, segundo estudiosos de humanidades, não existe ideologia de gênero. "É fundamental falar que, no campo das ciências sociais, a expressão somente passou a ser adotada justamente para explicar que a 'ideologia de gênero’, tão citada por tanta gente, não existe", pontua o psicólogo e terapeuta sexual Oswaldo M. Rodrigues Jr., diretor do Inpasex (Instituto Paulista de Sexualidade).
A ideia equivocada de que existe uma ideologia de gênero que preconiza o "certo e o errado" em se tratando de orientação sexual foi disseminada em 1998 pelo bispo peruano Oscar Alzamora Revoredo (1929-1999) em seu artigo "A ideologia de gênero: seus perigos e alcances", considerado o primeiro documento sobre o conceito explicitado pela Igreja Católica em crítica às demandas de gays e lésbicas. Para compor seu texto, Revoredo se baseou no livro "A agenda de gênero: redefinindo a igualdade", de 1997, de autoria da escritora antifeminista Dale O'Leary. A partir daí, movimentos conservadores se apropriaram da ideia.
Para Oswaldo, o medo da mudança é o que levou ao combate de uma “ideologia de gênero”. "Ela é propagada e engajada principalmente entre pessoas que não conseguem administrar as mudanças ao redor, exigindo que o mundo se mantenha sem mudar, mesmo que mude", opina.
"Trata-se de uma invenção que ainda afirma que nós, estudiosos da área de gênero e sexualidade, estaríamos doutrinando as crianças nas escolas, destruindo as famílias. Inclusive, falam até que estaríamos mudando o sexo dessas crianças, o que é uma inverdade", diz Ricardo Desidério da Silva, educador sexual e sexólogo.