Imagens de mulheres cortando o cabelo como forma de protesto e solidariedade às manifestações que acontecem há semanas no Irã vêm circulando pelo mundo.
Os protestos, anunciados como uma revolução feminina no país conservador do Oriente Médio, foram desencadeados pela morte de Mahsa Amini, uma mulher curda de 22 anos que entrou em coma após ser detida pela "polícia da moralidade" em 13 de setembro em Teerã, por ter supostamente infringindo a lei que exige que as mulheres cubram os cabelos com um véu ou lenço.
Amini morreu no hospital três dias depois.
A polícia diz que ela desmaiou em um centro de detenção após sofrer um ataque cardíaco, mas sua família alega que os policiais a agrediram com um cassetete.
Desde então, os protestos se espalharam e reuniram outras demandas, como o fim das leis compulsórias sobre o hijab (véu que cobre a cabeça). Eles agora se transformaram em manifestações nacionais contra os líderes do Irã e todo o establishment clerical.
As mulheres iranianas realizam atos simbólicos como lançar seus hijabs no ar, entoar slogans contra o governo e cortar uma mecha de cabelo em protesto.
Agora, esse ato de cortar o cabelo está se tornando um símbolo de solidariedade no Irã e internacionalmente.
Mas de onde vem esse gesto?
Um símbolo de tristeza e raiva
Ativistas dizem que o símbolo de cortar o cabelo é uma antiga tradição persa de protesto e tristeza.
Shara Atashi, escritora e tradutora radicada no País de Gales, no Reino Unido, disse no Twitter que essa tradição pode ser encontrada no Shahnameh, um antigo e famoso épico persa escrito por volta do ano 1000 por Ferdowsi, considerado um dos mais importantes autores da língua persa.
Mehrdad Darvishpour, sociólogo iraniano da Universidade de Malardalen, na Suécia, diz à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC, que essa tradição vem mudando de significado.
"Historicamente, na província do Curdistão, quando as pessoas perdiam um amigo próximo ou um membro da família, cortavam o cabelo como sinal de tristeza", explica Darvishpur.
"Isso começou com o intuito de mostrar tristeza e solidariedade pela morte de Masha Amini, mas agora é mais uma ação de protesto contra o governo, uma demonstração de raiva também", acrescenta o sociólogo.
"Tradicionalmente, o cabelo comprido é muito importante para nossas mulheres, então cortá-lo é um protesto contra a ideologia antifeminina e agora também um símbolo de solidariedade."
Quem se solidarizou publicamente?
Vários vídeos nas redes sociais mostraram mulheres no Irã e no mundo cortando o cabelo.
Um dos atos públicos mais proeminentes foi o de Abir al Sahlani, deputada sueca de origem iraquiana no Parlamento Europeu.
Em pleno dircurso perante o Parlamento, Al Sahlani pegou uma tesoura, cortou uma mecha de cabelo e pediu mais ação da União Europeia (UE) contra o Irã.
"Nós, cidadãos da UE, exigimos o fim imediato e incondicional da violência contra mulheres e homens no Irã", disse a deputada na semana passada.
"Mulheres, vida, liberdade!", gritou ela, enquanto segurava o cabelo cortado.
No mesmo dia, várias estrelas do cinema francês, como Isabelle Huppert, Juliette Binoche e Marion Cotillard, postaram vídeos no Instagram cortando o cabelo.
Dias antes, Nazanin Zaghari-Ratcliffe, uma cidadã anglo-iraniana que passou seis anos na prisão no Irã, também postou um vídeo de si mesma cortando o cabelo.
Em todo o mundo, protestos de solidariedade em diferentes países também envolveram imagens de mulheres cortando o cabelo.
Protestos inclusivos
Grupos de liberdade civil denunciam há anos a discriminação contra as mulheres iranianas, consideradas as maiores "derrotadas" após a revolução islâmica de 1979.
As mulheres iranianas foram forçadas a usar o hijab logo após a revolução e perderam muitos de seus direitos.
Os protestos atuais foram descritos por analistas como muito mais inclusivos do que outros que aconteceram nas últimas décadas.
"O fato de muitos homens se juntarem aos protestos indica que a sociedade se moveu em direção a demandas mais progressistas", diz Darvishpour.
O slogan pronunciado pela parlamentar sueca — "Mulheres, Vida, Liberdade" — é considerado um apelo à igualdade e uma posição contra o fundamentalismo religioso.
Em 2009, a chamada Revolução Verde do Irã envolveu principalmente a classe média protestando contra acusações de fraude eleitoral.
Foram manifestações generalizadas, embora concentradas nas grandes cidades. Em 2017 e 2019, ocorreram mais protestos, embora esses outros tenham se limitado a áreas carentes.
Mas o movimento atual parece envolver cidadãos tanto da classe média quanto da classe trabalhadora. Nesse sentido, eles parecem ser muito mais inclusivos.
"Estamos testemunhando o nascimento de um supermovimento", diz Darvishpour.
Um movimento que estava sendo liderado por mulheres, mas que conseguiu reunir muitos outros, incluindo forte apoio internacional e solidariedade de muitos outros cidadãos do mundo.