A Suprema Corte do Estado da Flórida, nos Estados Unidos, emitiu duas decisões relacionadas ao aborto na segunda-feira (1/4), com consequências conflitantes.
Primeiro, o tribunal confirmou o direito da Flórida de proibir o aborto, abrindo caminho para que uma lei que proíbe o procedimento a partir de seis semanas de gestação entre em vigor em 1° de maio.
A proibição quase total vai impedir praticamente todo o acesso ao aborto na região Sul dos EUA, onde a Flórida tem sido uma espécie de refúgio para quem quer realizar o procedimento, rodeada por estados que já implementaram a proibição total ou a partir de seis semanas de gestação.
A decisão foi aplaudida por ativistas nacionais antiaborto, muitos dos quais veem a proibição a partir de seis semanas de gestação como o padrão-ouro para a política em relação ao aborto. A decisão é uma "vitória para os nascituros", disse Katie Daniel, diretora de políticas da organização Susan B Anthony Pro-Life America na Flórida.
Mas, com um placar de quatro votos a três, os juízes também aprovaram a realização de um plebiscito, durante as eleições presidenciais em novembro, que pode reverter a proibição do procedimento a partir de seis semanas.
As decisões da Justiça colocaram a Flórida nos holofotes políticos — e no epicentro do que talvez seja a batalha pelo direito ao aborto mais tensa desde que a Suprema Corte dos EUA derrubou a histórica decisão Roe x Wade em junho de 2022.
A proibição do procedimento a partir de seis semanas de gestação — o Estado é o terceiro estado mais populoso do país — pode afetar mais mulheres do que qualquer outra proibição estadual implementada desde a revogação de Roe x Wade.
Pouco mais de 84 mil mulheres fizeram aborto na Flórida no ano passado, de acordo com dados estaduais. Segundo o grupo de pesquisa pró-escolha do Instituto Guttmacher, este número apresentou um salto de 12% em relação a 2020, que os pesquisadores atribuem principalmente a pacientes de fora do Estado.
Alguns legisladores da Flórida, muitos dos quais votaram a favor da proibição do aborto a partir de seis semanas de gestação no ano passado, consideraram a lei um meio-termo, acrescentando que inclui exceções para casos que envolvam estupro, incesto, anomalias e quando a vida da mãe está em perigo.
Mas os ativistas pelo direito ao aborto alertam que, mesmo com essas exceções, a proibição rigorosa do aborto pode colocar em risco a saúde das mulheres, citando casos envolvendo complicações na gravidez em lugares como o Texas.
E, de acordo com eles, a lei de seis semanas da Flórida é particularmente restritiva, exigindo que as pacientes em busca de aborto tenham duas consultas médicas presenciais com um intervalo de 24 horas entre elas.
"Com seis semanas, a maioria das mulheres nem sequer tem ideia de que está grávida", observa Anna Hochkammer, diretora-executiva do grupo pró-escolha Florida Women's Freedom Coalition.
"Uma crise gigantesca de saúde está prestes a se abater sobre nós."
O novo cenário para o aborto na Flórida também tem consequências políticas significativas. O plebiscito de novembro, dizem os especialistas, deu aos democratas a oportunidade de chamar a atenção para uma questão na qual eles têm uma vantagem eleitoral comprovada.
Nos quase dois anos desde que a decisão Roe x Wade foi derrubada, os ativistas pelo direito ao aborto venceram todas as sete consultas populares relacionadas ao aborto, mesmo em regiões lideradas por republicanos. E o apoio popular sustentado ao acesso ao aborto tem ajudado os democratas a melhorar seu desempenho nas disputas estaduais e nacionais.
"O aborto é uma oportunidade para os democratas, e continua a ser um problema para os republicanos", afirmou o estrategista republicano Kevin Madden, que foi porta-voz das campanhas presidenciais de Mitt Romney, senador por Utah.
"Isso dá a eles [democratas] um certo empurrão."
Os democratas já se mexeram para aproveitar essa vantagem na Flórida.
Na terça-feira, um dia após as decisões sobre o aborto, os principais legisladores da Câmara dos EUA convocaram uma audiência especial, que o líder da minoria da Câmara, Hakeem Jeffries, chamou de "marco zero" para o acesso ao aborto.
Horas depois, em uma conferência com jornalistas, a gerente de campanha do presidente Joe Biden, Julie Chávez Rodríguez, disse o mesmo, enquanto tentava vincular a proibição na Flórida ao ex-presidente Donald Trump, o candidato republicano.
Trump "é diretamente culpado", declarou Chávez Rodríguez.
"Por causa de Donald Trump, os republicanos Maga [uma referência ao slogan de campanha de Trump, Make America Great Again — 'Torne a América grande novamente'] em todo este país estão acabando com o acesso aos cuidados de saúde reprodutiva."
E Chávez Rodríguez foi mais além, sugerindo que a batalha sobre o direito ao aborto na Flórida poderia ajudar a influenciar a disputa eleitoral, dando aos democratas uma oportunidade de lutar para virar o jogo na Flórida em novembro.
"Definitivamente vemos que a Flórida está em jogo", disse ela. "Estamos cientes de como é difícil vencer na Flórida... Mas também sabemos que Trump não tem a vitória garantida."
Poucas pessoas acreditam que essas decisões judiciais vão realmente influenciar a disputa presidencial na Flórida — reduto republicano há mais de uma década. Mas os especialistas dizem que há de fato agora uma abertura para os democratas, mais uma vez, melhorarem seu desempenho e potencialmente virarem o jogo em algumas corridas eleitorais, incluindo algumas disputas acirradas para a Câmara e o Senado.
O estrategista democrata veterano Simon Rosenberg afirmou que a votação sobre o aborto traria "enormes quantidades de dinheiro, voluntários e energia para o lado pró-escolha, o que muda a política no Estado".
"De repente, o que sabíamos sobre a Flórida em 2024 ficou incerto", acrescentou.
"A proibição do aborto a partir de seis semanas de gestação é ir longe demais para a população da Flórida, as pesquisas sobre isso são bastante claras".
As primeiras pesquisas sobre o plebiscito em si, apelidado de Emenda 4, contam uma história semelhante, indicando que mais de 60% dos habitantes da Flórida apoiam a emenda.
Mas, qualquer que seja o resultado da votação de novembro, a Flórida vai passar os próximos meses convivendo com a proibição do aborto a partir de seis semanas de gestação.
As mulheres que buscarem o procedimento nesse período vão precisar viajar várias horas até a Carolina do Norte, que ainda permite a realização do procedimento até 12 semanas de gestação. Depois, a opção mais próxima é o sul da Virgínia — a quase 1.400 quilômetros do extremo sul da Flórida, o equivalente a um viagem de 14 horas de carro, só de ida.