Em muitos países, leis foram estabelecidas para responsabilizar aqueles que propagam o ódio racial. Essas penalidades variam, mas têm como objetivo enviar uma mensagem clara de que haverá consequências legais para quem o pratica.
O advogado Ariel de Castro Alves, especialista em direitos humanos e segurança pública, presidente do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo e integrante do Movimento Nacional de Direitos Humanos, orienta as pessoas que passam por uma situação dessa natureza a fazerem o B.O. (boletim de ocorrência) pessoalmente numa delegacia de polícia.
As vítimas precisam juntar provas, como vídeos, prints de mensagens, testemunhas e áudios, para que os inquéritos sejam instaurados e os acusados, indiciados. Depois os casos vão para o Ministério Público, que apresenta uma denúncia criminal e torna os acusados réus.
Pena
O artigo 20 da Lei nº 7.716, de 1989, prevê pena de reclusão de um a três anos e multa para o crime de racismo, que é imprescritível e inafiançável. A definição do crime é “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.
Já a injúria racial consiste em ofensas com cunho racial e discriminatório, está prevista no artigo 140 do Código Penal, tem pena de reclusão de um a três anos e multa. Em 2021, o Supremo Tribunal Federal equiparou a injúria racial ao crime de racismo, considerando-a imprescritível – mas cabe fiança. Ou seja, se o acusado tiver posses suficientes ou meios para levantar uma quantia em dinheiro, pode se safar.
Castro Alves explica que a injúria é considerada um crime de menor gravidade que o de racismo, e o acusado pode responder o processo em liberdade. “Na prática, a decisão do STF facilitou para quem comete injúria racial, já que a pessoa pode ser liberada na delegacia até sem pagar fiança e, em razão de a pena ser branda, responder o processo em liberdade. Se condenada, receberá regime aberto, sem prisão. Basta comparecer ao Fórum mensalmente para assinar um papel declarando que está trabalhando ou estudando”, esclarece o advogado.
Não à toa, a maioria dos processos abertos por crimes raciais no Brasil acabam sendo registrados como injúria racial, e não como crime de racismo. Dos 134 mil em tramitação, apenas 1,3% foram classificados como racismo, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Casos de racismo
Nas últimas semanas, casos de racismo explícito e irrefutável rechearam os noticiários, como o da socorrista Laura Cristina Cardoso, do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), de São Paulo, que ao atender um paciente idoso ouviu da família: “E agora, filho? Ela é negra”. Ao que o filho respondeu: “Tudo bem, mamãe. Ela está usando luvas”. Ela decidiu não denunciar o caso à polícia.
Em outro caso, na cafeteria de um shopping no Rio de Janeiro, a professora Mônica Rosa e o sobrinho foram abordados por um homem que começou a xingá-los e ameaçá-los com frases como “Você é uma preta imunda, sua vagabunda, sai daqui”. O caso aconteceu há um ano e, na época, Mônica prestou queixa na delegacia. Mas voltou à tona recentemente quando as imagens das câmeras da cafeteria foram publicadas no começo de abril no blog da coluna de Ancelmo Gois, no jornal O Globo.
Para o processo prosseguir é preciso que o homem seja identificado, o que não aconteceu nesse período, mesmo com a cafeteria afirmando que compartilhou as imagens com a Polícia e pela Justiça assim que foram solicitadas, em junho de 2021.
Também em um shopping, em Campinas, no interior de São Paulo, Aline Cristina Nascimento de Paula, analista de recursos humanos, entrou no playground para brincar com a filha de um amigo e escutou de uma mulher que o ambiente estava “cheio de preto”. Aline retrucou dizendo que ela estava sendo racista e ouviu: “Eu sou racista mesmo!”. A analista denunciou o caso à polícia e a agressora foi presa em flagrante. Como o caso foi registrado como injúria racial, a mulher pagou fiança de R$ 1,5 mil e foi liberada.
Outro caso que também demorou a prosseguir foi o da cozinheira Eliane Aparecida de Paula, que esperava sentada em um banco a chegada de um transporte, depois do trabalho num condomínio de luxo no bairro dos Jardins, em São Paulo, passou pela mesma situação com o agravante de ter sido agredida fisicamente por uma moradora. Eliane foi chamada de “negra esquisita” e agredida com puxões de cabelo, joelhadas e teve a cabeça batida contra a parede. As câmeras do prédio registraram as agressões. Ela denunciou o caso à polícia no mesmo dia, em 22 de outubro de 2021, mas somente agora a investigação por lesão corporal e injúria racial foi iniciada, após o vídeo ser fornecido mediante decisão judicial.