Quantidade de brasileiros que se declaram pretos ou pardos aumenta em 20 anos; entenda

Estudo sobre raça e cor também aponta diminuição do número de pessoas que se dizem brancas entre 2002 e 2023

17 out 2023 - 11h06
(atualizado às 11h06)
Marcha da Consciência Negra realizada na Avenida Paulista
Marcha da Consciência Negra realizada na Avenida Paulista
Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO

Nos últimos 20 anos, os brasileiros estão se autodeclarando pretos e pardos com maior frequência quando questionados sobre a cor de sua pele. E caiu o número daqueles que se achavam morenos e brancos. Quanto o tema é religião, houve queda acentuada de católicos e avanço dos evangélicos.

Essas são as primeiras conclusões da Pesquisa Social Brasileira, estudo sobre cor, raça e religião da população do País entre 2002 e 2022/2023 desenvolvido pelo Instituto de Pesquisas Brasilis.

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Vamos aos números exatos da pesquisa que ouviu 1.598 pessoas em 102 municípios. Na pergunta aberta sobre autoclassificação de cor e raça, aquela em que o entrevistado pode responder o que quiser, as pessoas que se dizem pardas passaram de 15% para 44%; as pretas subiram de 3% para 10%. Por outro lado, aqueles que se diziam morenos caíram de 24% para 6% e os brancos também registraram queda, de 43% para 32%. Os negros não apresentaram alteração significativa no período analisado, passando de 7% para 6%.

Já na pergunta fechada, restrita às três opções utilizadas pelo IBGE (preto, pardo e branco), os resultados foram semelhantes. Também houve aumento dos que se autodeclaram pretos (11% a 16%), elevação dos pardos (34% a 48%) e decréscimo dos brancos (46% a 31%).

O cientista político Alberto Carlos Almeida, organizador do estudo, classifica o processo como “escurecimento da população brasileira”. Entre os fatores que explicam o fenômeno, diz o especialista, estão a militância do movimento negro que luta pelos direitos desse segmento e denuncia as práticas racistas, além da mobilização dos meios de comunicação, que promovem a diversidade étnica e racial em esferas que estão em contato direto com a população.

Outro fator importante, na opinião de Almeida, são as políticas públicas que combatem discriminações e procuram facilitar o acesso de grupos historicamente discriminados à educação, saúde, emprego. Um dos exemplos mais comuns são as cotas raciais para acesso às universidades. “A sociedade recebe a mensagem de que estão defendendo os direitos e valorizando quem tem a pele mais escura. Por isso, as pessoas podem passar a se classificar mais dessa forma”, diz.

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O cientista político Alberto Carlos Almeida conduz, 20 anos depois, nova pesquisa sobre sobre o perfil dos brasileiros
Foto: ALEX SILVA/ESTADAO / ESTADAO CONTEUDO

A pesquisa também quis saber porque as pessoas se autodeclaram com determinada raça. A resposta indica outro fator para entender os resultados da pesquisa: houve um aumento significativo das pessoas (de 10% a 23%) que se referiram a algum documento oficial, como certidões de casamento, de nascimento ou prontuários médicos, como justificativa para se declararem brancos, pretos ou pardos.

‘É como uma revisão da história’, diz reitor

José Vicente, reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, faz uma análise semelhante sobre os dados da pesquisa. “Uma das hipóteses para esses resultados é a valorização da raça negra que fortalece uma nova identidade nacional”, diz o professor. “É como uma revisão da história, com maior presença negra na política, comunicação social, nas novelas, nos esportes e entre os heróis nacionais. Por isso, as pessoas podem se sentir mais confortáveis e mais estimuladas a se declarar como pretas ou pardas”.

O estudo permite identificar os segmentos da população com maiores variações. Segundo Almeida, o salto mais significativo dos que passaram a se declarar pardos estão entre as mulheres, de baixa escolaridade (até ensino fundamental II) que moram em cidades com até 100 mil habitantes.

Entre os que passaram a se declarar pretos, os avanços mais evidentes estão entre estudantes de nível superior (1% a 13%), o que pode indicar a influência das cotas raciais, nas cidades com mais de 500 mil habitantes (11% a 20%).

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Pesquisa aponta queda dos católicos e avanço dos evangélicos

Há 20 anos, a pesquisa deu origem ao livro A Cabeça do Brasileiro (Editora Record, 2007), que se tornou referência na investigação sobre os perfis da população com um questionário com mais de 180 itens sobre política, economia, sexualidade, fé, entre outros assuntos. O novo estudo será consolidado para também se transformar em um volume. A data de lançamento ainda não está definida.

Na investigação sobre o religião, os dados mais relevantes apontam a queda dos católicos (71% a 50%) e o avanço dos evangélicos pentecostais (10% a 18%) e neopentecostais (5% a 9%) e também dos sem religião (6% a 14%). Almeida explica que a expressão “sem religião” não significa as pessoas que não acreditam em Deus, mas sim aqueles grupos que apresentam uma relação privada com Deus, sem institucionalização.

A queda dos católicos se concentra principalmente nos jovens (até 34 anos), enquanto avanço dos evangélicos pentecostais foi mais significativo em pessoas acima de 45 anos e nas cidades médias, de 25 mil a 200 mil habitantes (10% a 20%).

No cruzamento de raça e religião, os últimos 20 anos mostraram grande aumento dos evangélicos pentecostais entre os pardos (12% a 21%). Entre os pretos, os maiores avanços foram registrados nas religiões de matriz africana, como candomblé e umbanda (1% a 6%), nas grandes cidades (acima de 500 mil habitantes), ainda em patamares inferiores aos das outras religiões.

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Entre as tendências projetadas pelo estudo, na opinião de Almeida, estão o crescimento dos sem religião e a desaceleração do avanço dos evangélicos.

* Este conteúdo foi produzido em parceria com a Universidade Zumbi dos Palmares

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