Quem foi Milton Santos e quais foram as ideias do geógrafo brasileiro

Considerado um dos maiores nomes da Geografia mundial, o intelectual negro criticava a globalização e apresentou uma nova forma de encarar os territórios

9 ago 2023 - 13h33
(atualizado às 15h41)

"Existem apenas duas classes sociais, as do que não comem e as do que não dormem com medo da revolução dos que não comem."

O professor Milton Santos, um dos maiores intelectuais da história do país.
O professor Milton Santos, um dos maiores intelectuais da história do país.
Foto: Artur Ikissima/ Itaú Cultural/ Ocupação Milton Santos/Divulgação / Guia do Estudante

A frase é de Milton Santos - um nome que, com certeza, você já ouviu nas aulas de Geografia ou leu em algum livro dessa disciplina. Afinal, o brasileiro é considerado o maior geógrafo do Brasil e um dos mais importantes e respeitados do mundo. 

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Abordando questões como globalização, urbanização em países subdesenvolvidos, a influência do território sobre as pessoas, Milton Santos revolucionou o estudo da Geografia no país. Em vez de tratá-la de forma isolada, ele relacionou a área a campos mais amplos, como sociologia, economia e política. E seu trabalho não passou despercebido: o especialista conquistou reconhecimento nacional e internacional, principalmente com seu trabalho desenvolvido fora do Brasil durante seu exílio itinerante na época da Ditadura Militar.

Hoje, mesmo passados mais de 20 anos da sua morte, sua obra ainda é atual e suas ideias são referência dentro e fora das universidades, influenciando novas teorias e estudos da Geografia. 

Início da trajetória

Milton Almeida dos Santos nasceu em 3 maio de 1926 em Brotas de Macaúbas, na Bahia. Filho de professores primários, formou-se em Direito na Universidade Federal da Bahia ( UFBA), em 1948, mas não chegou a exercer a profissão: por já se interessar desde a adolescência por Geografia, decidiu dar aulas da disciplina em Ilhéus, no litoral baiano. 

Milton Santos na formatura de direito na Universidade da Bahia, 1948
Foto: Acervo Familiar/Itaú Cultura/Ocupação Milton Santos/Reprodução / Guia do Estudante

Além de professor, Milton trabalhava como jornalista e foi correspondente do jornal A Tarde, de Salvador. Em 1956, tornou-se professor na Universidade Católica da Bahia e, pouco depois, foi convidado para um doutorado na Universidade de Estrasburgo, na França, onde completou os estudos com uma tese sobre o centro da cidade de Salvador. Quando voltou para o Brasil, no final dos anos 1950, fundou o Laboratório de Geomorfologia e Estudos Regionais da UFBA, ativo até hoje. 

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Por sua notoriedade como jornalista e estudioso, Milton Santos também passou a se envolver na vida pública. Sua proximidade do então presidente Jânio Quadros, lhe possibilitou o cargo de subchefe da Casa Civil na Bahia até a renúncia de Jânio, em 1961. Em 1963, se tornou responsável pela política econômica e planejamento da região. Um ano depois, porém, com o início do regime militar em 1964, foi obrigado a abandonar o cargo e a universidade.

No mesmo ano, Milton Santos foi preso pelo governo militar e ficou detido por meses em um quartel. Lá, teve um princípio de acidente vascular cerebral (AVC), e acabou transferido para prisão domiciliar. Um tempo depois, com a ajuda de contatos na França e do reitor da UFBA, Miguel Calmon, conseguiu uma vaga para ser professor na Universidade de Toulouse, na França, durante um semestre.  

O que seriam seis meses longe do Brasil acabaram se tornaram 14 anos. 

Exílio na ditadura e volta ao Brasil

Milton Santos viveu em exílio por conta da ditadura de 1964 a 1977. Nos primeiros anos, ele morou na França e atuou como professor convidado em instituições renomadas, como Toulouse, Bordeaux e Paris-Sorbonne. Em 1971, começou um período itinerante no qual se tornou pesquisador em Toronto, no Canadá; Cambridge, nos EUA; Lima, no Peru; Caracas, na Venezuela; e Dar-es-Salaam, na Tanzânia. Nessa época, sua carreira foi fortemente influenciada pelas viagens e experiências internacionais. Assim, desenvolveu novas perspectivas na Geografia. 

Em 1977, Milton retornou ao Brasil. Por conta de suas posições críticas em relação à geografia, ele teve dificuldades para voltar a lecionar em uma universidade brasileira. Somente depois de dois anos no país, que conseguiu uma vaga na Universidade Federal do Rio de Janeiro ( UFRJ). Em 1983, virou professor titular de Geografia Humana na USP, onde continuou fazendo pesquisas, publicando estudos e orientando estudantes, mesmo após sua aposentadoria, em 1995. Da mesma instituição, recebeu o título de Professor Emérito em 1997.

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Milton faleceu em São Paulo, aos 75 anos, vítima de câncer, no dia 24 de junho de 2001.

As ideias de Milton Santos

Como já mencionado, Milton Santos revolucionou o estudo da Geografia. O conhecimento que adquiriu em pesquisas no Brasil e no mundo, assim como os cursos, os debates dos quais participava e conversas com outros pensadores, ajudaram a fundamentar cientificamente suas ideias, ampliando as percepções da academia e influenciando ativistas e estudiosos até hoje. Ao longo de sua carreira, foram cerca de 40 livros publicados. 

Ele encarava a geografia para além das paisagens e dos territórios, mas como uma ciência para entender a influência do espaço físico na vida das pessoas. Para ele, "espaço" não era apenas um ponto no mapa, mas o resultado de um conjunto de fatores históricos, culturais, tecnológicos, éticos e econômicos; e algo necessário para entender as sociedades. Ou seja, ele conseguiu tirar a Geografia de uma espécie de "bolha", criando relações com outros campos de estudo. 

Entre outros temas, posicionou-se sobre política, movimentos sociais, educação, racismo, demografia, migrações, capitalismo, geografia urbana como um todo e a importância da cidadania no Brasil.

Milton Santos recebe o título honoris causa da Universidade de Barcelona, 1996.
Foto: J.B.Conti/ Itaú Cultura/ Ocupação Milton Santos/Divulgação / Guia do Estudante

Milton também se dedicava ao estudo dos países subdesenvolvidos, incluídos no chamado "Terceiro Mundo", analisando os processos e as estruturas de urbanização e o motivo da pobreza nessas regiões. Para ele, uma vez que essas nações se unissem dariam um novo sentido à humanidade, com mais igualdade e menos injustiças.

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Além disso, o geógrafo se debruçava sobre o território brasileiro, explorando as suas principais características e até propondo uma nova regionalização do país, dividido em quatro grandes regiões, os "quatro Brasis": Concentrada, Centro-Oeste, Nordeste e Amazônia.

Milton Santos também foi um forte crítico da globalização. Suas ideias sobre o tema ficaram conhecidas internacionalmente e ele se tornou um dos maiores teóricos sobre o assunto. Para ele, era impossível criar um mundo globalizado sem gerar desigualdades. No livro " Por Uma Outra Globalização", por exemplo, dividiu a globalização em três vieses:

  • "globalização como fábula" (como ela nos é contada);
  • "globalização como perversidade" (como ela realmente acontece);
  • e "globalização como possibilidade", descrevendo uma outra globalização, que poderia ser transformada.

Outro tema abordado pelo geógrafo foi o preconceito racial. Um dos pontos que ele levantou foi os desafios de ser um intelectual negro no Brasil, separando as duas identidades de forma interseccional: a dificuldade de ser um intelectual, mais a dificuldade de ser negro. "Tenho instrução superior, creio ser uma personalidade forte, mas não sou cidadão integral. O meu caso é como o de todos os negros deste país".

Assim, escreveu textos sobre a negritude no país e o racismo como um todo. Para ele, era fundamental engajar-se no tema. "A luta dos negros só pode ter eficácia se forem envolvidos todos os brasileiros: Não cabe só aos negros fazer essa luta. Ela tem que ser feita sobretudo por todos", afirmou.

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Uma outra prioridade de Milton Santos era romper a bolha do "mundo intelectual", das palavras difíceis e da academia, tornando o conhecimento sobre a área mais acessível para quem ele tentava estudar e retratar em seus livros: o povo brasileiro. 

Com a sua formação em Direito, e sua atuação como jornalista e como intelectual público, Milton destacava a importância de analisar criticamente a sociedade e provocar mudanças. Segundo o professor, sempre foi uma responsabilidade dos intelectuais apontar um futuro melhor para toda a sociedade. 

Prêmios e reconhecimentos 

O trabalho de Milton foi reconhecido nacional e internacionalmente. Em 1982, o geógrafo recebeu seu primeiro título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Toulouse, na França - ele receberia a mesma honraria de mais seis instituições internacionais e 12 brasileiras.

Já em 1994, ele foi vencedor do Prêmio Vautrin Lud, considerado o "Nobel da geografia", ou seja, a maior premiação da área, sendo o único latino-americano a receber a distinção. 

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Em 1997, ganhou o Prêmio Jabuti na categoria melhor livro de Ciências Humanas com a obra " A Natureza do Espaço". 

Exposição em São Paulo

Recentemente, o geógrafo ganhou uma exposição chamada " Ocupação Milton Santos ". Promovida pelo Itaú Cultural, a mostra apresenta mais de 150 peças, entre fotos, vídeos, textos, livros, depoimentos e objetos pessoais, que permitem um aprofundamento em sua história e seus estudos. 

Com entrada gratuita, a "Ocupação Milton Santos" está em cartaz no Itaú Cultural, na Avenida Paulista, em São Paulo, de terça a domingo, até 8 de outubro.

Veja algumas das obras de Milton Santos:

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