O movimento #MeToo, campanha que se multiplicou entre as atrizes hollywoodianas em 2017, foi um marco no enfretamento à cultura de assédio sexual em um dos maiores cenários da indústria cinematográfica mundial. No entanto, 80 anos antes, a atriz Patricia Douglas não foi ouvida quando, pela primeira vez, denunciou um estupro em Hollywood.
O caso teria acontecido durante uma festa organizada pelo estúdio Metro-Goldwyn-Mayer (MGM) para seus executivos de vendas. Patricia Douglas, uma aspirante a atriz e dançarina, relatou ter sido violentada por David Ross, um desses executivos, durante o evento.
Apesar da denúncia de Patricia, o caso foi rapidamente abafado pelo estúdio e pelas autoridades locais por conta da forte influência dessas empresas. A jovem, na época com 17 anos, foi difamada e seu testemunho foi desconsiderado.
Nascida no Missouri, em 24 de março de 1917, Patricia Douglas se mudou com a mãe para Los Angeles, na época da Grande Depressão. Patricia sonhava em ser uma estrela do cinema e conseguiu alguns trabalhos como corista na casa noturna Cotton Club. Ainda na adolescência, chegou a dançar em musicais.
Como aconteceu
Em meados de 1937, Patricia foi convidada pela MGM para fazer um teste para um filme. Porém, quando chegou ao local, encontrou mais 120 mulheres. Todas elas pensaram que fariam uma audição, mas foram obrigadas a vestir fantasias minúsculas e sensuais.
Depois, foram levadas, sem que soubessem, para a festa onde estavam mais de 300 executivos da MGM em um rancho de Los Angeles, nos Estados Unidos. O evento, sediado pelo próprio estúdio, comemorava mais um ano de bons resultados. E ali estava também David Ross.
“Eles nunca disseram que era uma festa”, contou Patricia, em entrevista à Vanity Fair, em 2003. De acordo com depoimentos da própria atriz, David Ross tentou dançar com ela. A jovem recusou e fugiu para o banheiro. Ross e um amigo seguraram a atriz e a forçaram a tomar uma dose de bebida alcoólica. Em outra tentativa de fuga, Patricia foi jogada em um carro, onde o empresário a estuprou.
O médico que a examinou no dia do crime, inclusive, disse não encontrar evidências de relações sexuais e a mandou para casa. “Eles me deram uma ducha de água fria”, contou Patricia. “Não é surpresa que ele não tenha encontrado nada. A água removeu todas as evidências.”
Denúncia
No documentário "Girl 27" (2007) do escritor e diretor norte-americano David Stenn, Patricia contou que tentou denunciar o estupro na mídia, mas todas as suas tentativas eram abafadas pelo poder de influência da MGM. E não houve suporte do estúdio para ajudá-la.
Silenciada, a atriz começou a receber acusações de que teria bebido demais na festa e que teria passado por uma "infecção urinária genital".
No entanto, durante as investigações, Patricia reconheceu David Ross em uma foto. Ele negou as acusações, mas a promotoria "ficou sem opção a não ser convocar um grande júri", segundo o escritor David Stenn.
O julgamento não deu em nada. Patricia ainda moveu uma ação civil contra vários executivos da MGM, mas nenhum deles respondeu por qualquer violência.
Patricia se afastou da indústria. O trauma mental e emocional a perseguiu por muitos anos. Foi casada três vezes e teve uma filha, Patricia (Patti) Minter. A atriz faleceu devido a uma doença desconhecida em 11 de novembro de 2003 em Las Vegas, Nevada.
Assédio e agressão sexual em Hollywood
Após o #MeToo, em que diversos casos vieram à tona, uma pesquisa do jornal USA Today e outras instituições, contabilizou que 94% das mulheres com carreiras em Hollywood já sofreram alguma forma de assédio ou agressão sexual, geralmente por um indivíduo mais velho e em uma posição de poder. E mais: cerca de 21% delas relataram ter sido forçadas a fazer algo sexual pelo menos uma vez.