No calendário da diversidade, hoje, 29, é o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica. A data remete ao 1° Seminário Nacional de Lésbicas, em 1996, promovido para chamar a atenção e lembrar a existência das mulheres lésbicas, as violências sofridas por elas e as pautas que o movimento reivindica. Durante todo o mês, um nome em especial circulou nos mais diversos eventos, espaços e momentos de celebração: Rosely Roth (1959-1990).
Uma das principais ativistas LGBTQIA+ quando a sigla sequer existia, Rosely teve uma vida curta, mas intensa, e entrou para a história como a lésbica pioneira pela luta da comunidade no Brasil.
Filha de pais judeus, Rosely nasceu em São Paulo (SP) e estudou tanto em escolas judaicas como não judaicas. Ela se formou em Filosofia e Antropologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e se aperfeiçoou em estudos sobre sexualidade e questões de vivências lésbicas.
Seu ativismo começou em 1981, quando fundou com a também ativista Míriam Martinho o Grupo de Ação Lésbico-Feminista (GALF). Uma das principais ações do GALF, que encerrou as atividades no mesmo ano da morte de Rosely, foi a publicação do jornal independente "ChanacomChana", que chegou a circular trimestralmente entre 1982 e 1987. O periódico lésbico pioneiro trazia desde poemas sáficos até discussões sobre temas como a invisibilidade da mãe lésbica, política, movimentos internacionais e mercado de trabalho.
A luta de Rosely Roth pelos direitos lésbicos ganhou notoriedade no dia 19 de agosto de 1983, quando ocorreu o episódio do "Levante do Ferro's Bar" - também conhecido como o "Stonewall brasileiro". O Ferro's Bar era, como o próprio nome diz, um bar paulistano que funcionava como uma espécie de ponto de encontro seguro das lésbicas em plena ditadura militar. Revoltada com a proibição de distribuição do boletim "ChanacomChana" pelo dono do local, Rosely liderou uma invasão no bar com a presença de outros grupos LGBTs, feministas e figuras políticas como o então deputado Eduardo Suplicy.
A ativista leu um manifesto contra a repressão e pelos direitos das mulheres lésbicas. O protesto deu certo: o levante resultou em um pedido de desculpas e liberação da venda dos panfletos.
Por causa do episódio, que teve a cobertura de veículos de imprensa como a Folha de S.Paulo, Rosely foi convidada para dar uma entrevista no programa de Hebe Camargo (na época, na TV Bandeirantes). Num período sombrio da história em que a homossexualidade era considerada doença e discussões sobre orientação sexual e diversidade de gênero ainda engatinhavam, ela aproveitou a oportunidade para combater o preconceito e explicar calma e didaticamente: "Muitas pessoas acham que mulheres lésbicas não são mulheres. Eu sou e me sinto como mulher. A gente existe, por enquanto é um grupo pequeno e a gente está tentando pensar sobre isso."
Até então, não se via uma mulher lésbica assumida falar sobre sexualidade na televisão. Hebe, segundo a Folha de S.Paulo, acabou levando uma bronca por fazer "apologia ao homossexualismo" - vale frisar que o termo "homossexualismo", que remete a uma doença, deixou há tempos de ser empregado.
Em 1985, Rosely também concedeu uma entrevista robusta para o célebre "Pasquim", e seguiu na linha de frente do movimento até sua morte. Ela tinha esquizofrenia e enfrentava uma depressão profunda quando decidiu não viver mais, em 1990. Como homenagem à sua trajetória ativista, desde 2003 celebra-se o dia 19 de agosto como o Dia Nacional do Orgulho Lésbico no Brasil.
*As fotos de Rosely Roth e do periódico "ChanacomChana" pertencem à Coleção ChanacomChana de Míriam Martinho. Mais informações disponíveis no site https://www.umoutroolhar.com.br/.