"Reação de Gio Ewbank não é para nós", dizem mães negras

Preconceito estrutural arraigado no Brasil faz com que mulheres se sintam acuadas e temerosas ao denunciar situações racistas com os filhos

5 ago 2022 - 05h00
"Tentei me acalmar e ser apenas a mãe do meu filho, em vez de militar", conta Thaina Briggs
"Tentei me acalmar e ser apenas a mãe do meu filho, em vez de militar", conta Thaina Briggs
Foto: Acervo Pessoal

"A selva elege quais leoas têm vez para rugir e as que devem emudecer." A metáfora empregada pela escritora Thaina Briggs, coordenadora da coletânea independente "Maternidade Preta - O Livro", não poderia ser mais certeira ao comentar a comoção em torno do caso de racismo envolvendo os filhos de Giovanna Ewbank em Portugal. Em depoimento ao "Fantástico", a própria atriz se mostrou consciente de ter sua revolta acolhida e legitimada não só por ser uma mulher famosa, mas por ser uma mãe de pele negra. Na opinião de Thaina e de outras mães pretas ouvidas por Terra Nós, que diariamente sentem os impactos de uma sociedade racista na criação de seus filhos, as reações são bem diferentes.

Recentemente Thai viu o filho Davi, de 11 anos, enfrentar uma situação de racismo ao lado dos primos em uma lanchonete do Mc Donald's. Além dos olhares feios do segurança do local, as crianças levaram bronca de uma cliente que os confundiu com vendedores de rua. "Em circunstâncias como essa eu tento sempre analisar o contexto e pesar os danos, porque eu sei as consequências de uma reação mais forte. Então tentei me acalmar e ser apenas a mãe do meu filho, em vez de militar", conta.

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Para a professora de História Sarah Carolina, da página no Instagram @maternagempreta, reações mais exasperadas e de confronto aberto como a de Giovanna Ewbank podem surtir justamente o efeito contrário ao desejado se tratando de uma mãe preta. "O mais provável é que a gente vá presa no lugar do racista", afirma.

Mãe de Murilo, de 19 anos, Lucas, 6, e Maya, de apenas um aninho, Sarah conta que já teve uma postura muito combativa quando era mais nova. "Eu dizia ao meu filho mais velho que ele não devia abaixar a cabeça para ninguém, que ele tinha de responder à altura e enfrentar se fosse alvo de racismo. Agi assim até o dia em que ele seguiu os meus conselhos e acabou apanhando em uma abordagem policial mais violenta quando tinha 15 anos", relata.

Hoje, Sarah prefere investir no empoderamento de seus filhos através de referências pretas positivas. Porém, sempre faz questão de lembrar nas oficinas de criação antirracista que ministra: "O racismo não é um problema do preto, não é a gente que tem que resolver".

Sarah Carolina, professora de História, trocou postura combativa por lições de empoderamento
Foto: Acervo Pessoal

A psicóloga Rayssa Oliveira, mãe de Enzo, de 8 anos, e de Alice, de 7, procura adotar a mesma estratégia de Sarah do reforço positivo - não sem sentir uma boa dose de dor. "Converso com eles sobre racismo e diversos tipos de preconceito. Isso acontece de forma natural, mas é muito triste para mim ter que criar crianças que precisam ser fortes desde cedo. Elas deveriam somente se preocupar com a hora de brincar", opina.

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Rayssa conversa com os filhos sobre colorismo e procurar falar a realidade para eles sobre os preconceitos vividos. "Sempre escuto o que eles têm a dizer sobre o dia deles e suas reclamações. Ah, e busco apresentar artistas pretos que o pai deles e eu gostamos. É preciso que eles saibam sobre de onde viemos e como nossa cultura é linda", avisa.

"É triste ter que criar crianças que precisam ser fortes desde cedo", lamenta Rayssa
Foto: Acervo Pessoal

Na opinião de Giovanna Castro, jornalista especialista em diversidade e criadora da 1ª Comunidade Brasileira pela Humanização da Criança Preta, as pessoas só se abalam com o racismo quando uma mulher branca como Giovanna Ewbank se dispõe a escancará-lo. "Nós, do andar de baixo, estamos cansadas de falar, insistir, pontuar, cobrar... Tudo é minimizado. É como se fôssemos malucas", declara.

Mãe de Valentina, de 9 anos, tanto no exercício da maternidade como no trabalho ela busca combater a invisibilidade da criança preta, algo que, em seu ponto de vista, começa e é reforçado na escola. "Não se trata apenas de chamar de "macaca" ou falar do "cabelo". Existem microagressões sutis, como não ter com quem brincar porque é a única criança negra da sala", comenta. "Eu não tenho a ilusão de que a minha não sofre nem vai sofrer racismo, mas converso bastante com ela. A Valentina tem a consciência de que pode alcançar o que quiser, mesmo que seja mais difícil por conta da cor", diz.

Giovanna Castro sobre mães pretas denunciando racismo: "É como se fôssemos malucas"
Foto: Acervo Pessoal

Já Tiacuã Fazendeiro, pediatra e co-criadora do projeto Amamentação Negra e da Semana de Apoio à Amamentação Negra no Brasil, que acontece de 25 a 31 de agosto todos os anos desde 2020, tem uma visão mais realista e contundente da questão: "Enquanto o racismo for estrutural, nada que façamos individualmente será suficiente para proteger nossas crianças. Hoje quem estuda racismo, quem discute racismo, quem está na luta antirracista são os negros. Mas acontece que o racismo é uma questão dos brancos. E quanto os brancos se preocupam em se educar? É obrigação social e institucional a luta antirracista. Precisa estar na pauta do dia dos governos e da sociedade civil os temas sobre branquitude e antirracismo", destaca.

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Racismo é crime, com pena prevista de até 5 anos de prisão. Ao presenciar qualquer episódio de racismo, denuncie. Você pode fazer isso por telefone, ligando 190 (em caso de flagrante) ou 100 a qualquer horário; pessoalmente ou online, abrindo um boletim de ocorrência em qualquer delegacia ou em delegacias especializadas.

Saiba mais sobre como denunciar aqui.

Fonte: Redação Nós
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