Um dos maiores símbolos brasileiros de reverência à contribuição dos artistas à sociedade, o Retiro dos Artistas completou 105 anos de existência em 2023. Único espaço do gênero no país, a instituição fica em Jacarepaguá, bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro, e é uma moradia para idosos com características bem peculiares, a começar pelo perfil dos próprios moradores.
Entre os 50 residentes atuais estão artistas como Rui Rezende, célebre como o professor Astromar Junqueira da antológica novela Roque Santeiro (1985), a cantora de jazz Flora Purim e os atores Jaime Leibovitch, Silvio Pozzato e Paulo César Pereio. O ator Cláudio Corrêa e Castro (1928-2005), o comentarista esportivo Sérgio Noronha (1932-2020) e a cantora Leny Andrade, falecida em julho deste ano, são alguns dos nomes que também passaram pelo Retiro, idealizado para servir de moradia digna para artistas idosos com dificuldades financeiras, problemas de saúde e/ou sem apoio de familiares e amigos.
Com clima de cidadezinha típica do interior, o Retiro dos Artistas ocupa uma área de aproximadamente 15 mil metros quadrados e conta com 50 casas geminadas compostas por quarto, sala, cozinha e banheiro.
"Todos os residentes moram em casas individuais em ruas bem tranquilas, porque o idoso gosta muito de preservar sua individualidade, e compartilham a infraestrutura que a gente oferece", conta Cida Cabral, administradora do local há mais de vinte anos. As casas ainda possuem varandas onde é comum ver os artistas descansarem ou batendo papo uns com os outros à tarde.
Infraestrutura e rotina
A infraestrutura inclui piscina, biblioteca, cinema, teatro e salão de beleza, além de uma área bem grande e cercada de verde para caminhadas. O Retiro dos Artistas tem, atualmente, 38 funcionários contratos em regime CLT que se encarregam de atividades como preparar as seis refeições distribuídas ao longo do dia, limpeza e lavanderia, entre outras. Os residentes têm plano de saúde e atendimento médico semanal, aulas de Yoga, sessões de fisioterapia, atendimento psicológico e técnicos de enfermagem à disposição diariamente.
Entre as atividades coletivas há desde festas de aniversário e bingo até sessões de cinema e de teatro. Às quintas-feiras, músicos e cantores do Theatro Municipal do Rio de Janeirio realizam apresentações pelo projeto Quintas Musicais.
Os moradores têm total liberdade de ir e vir: podem, por exemplo, sair para trabalhar quando surge algum trabalho, passear ou almoçar fora com parentes ou amigo. As visitas podem ser feitas todos os dias, das 9h às 18h, e alguns artistas também gostam de ir à casa uns dos outros dentro do Retiro. "Mas é claro que existem aqueles mais sistemáticos, que não gostam de receber visita. Outros gostam de se reunir em um dos espaços de lazer para tocar, bater conversas e contar histórias, mas isso é muito entre eles, realmente. Já tivemos casos de pessoas que brigaram e depois fizeram as pazes, uns que falam que é mais artista do que o outro... É uma comunidade como outra qualquer", relata Cida.
O ator Stepan Nercessian e a cantora e atriz Zezé Motta ocupam, respectivamente, os cargos de presidente e vice-presidente da instituição. "Ambos estão aqui há 22 anos. A eleição acontece a cada quatro anos. Não só os nossos residentes podem fazer essa votação, como pessoas de fora também podem participar, mas infelizmente nunca houve interesse de ninguém da classe artística em assumir os cargos. Então, acabou que o Stepan e a Zezé foram sendo reeleitos ao longo desse tempo todo aí", comenta Cida.
Custos e recursos
Para morar no Retiro dos Artistas, que reúne representantes da classe artística de todo o Brasil, é preciso seguir as determinações do Ministério Público (MP) em relação às chamadas Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs), que, tecnicamente, são instituições governamentais ou não governamentais, de caráter residencial, destinadas ao domicílio coletivo de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, com ou sem suporte familiar e em condições de liberdade, dignidade e cidadania.
Antes de o idoso ser admitido, ele tem que passar por uma entrevista com uma equipe técnica composta por um médico geriatra, um enfermeiro, uma assistente social e um psicólogo, a fim de avaliar se ele tem algum tipo de comorbidade e entender suas reais necessidades. "Em seguida, há uma avaliação. Como o Retiro é a única casa do gênero no país, normalmente existe uma fila de espera. Dessa forma, não importa se aquela pessoa acabou de chegar, se a necessidade dela for maior de quem já está na fila há algum tempo, nós vamos atendê-la primeiro", explica Cida.
São 50 vagas e a idade mínima para ingresso é de 60 anos. O Estatuto do Idoso permite que cada abrigo receba até 70% dos proventos de cada idoso, desde que esse abrigo seja de longa permanência, como é o caso do Retiro dos Artistas. "Porém, a grande maioria aqui é aposentado com salário mínimo. Uns ajudam com R$ 200 reais, outros com R$ 300, outros com nada. Alguns ainda não são aposentados; outros são, mas tem problemas com a aposentadoria ou estão envolvidos com empréstimos. Então, isso vai de acordo com a condição de cada um", diz a administradora.
O Retiro hoje tem um custo mensal de aproximadamente R$ 200 mil reais por mês e, embora alguns familiares dos residentes façam contribuições, trabalha com um déficit também mensal em torno de 30 a 40%. Não há recebimento de nenhum tipo de recurso municipal, estadual ou federal. A instituição é mantida por doações (no site há informações sobre como ajudar), por contribuições mensais de diversos artistas que preferem se manter no anonimato e pela receita gerada por um bazar que funciona internamente.
O maior evento de arrecadação promovido pelo Retiro dos Artistas é a Festa Junina, que neste ano voltou a acontecer após o hiato derivado da pandemia. Para o fim do ano, estão previstos um sarau com apoio da Prevent Senior, empresa que doa planos de saúde para todos os residentes e funcionários, além de celebrações de Natal e Réveillon a partir das doações.
"É uma luta diária pra acompanhar, deixar tudo limpo e organizado, manter a alimentação e as contas em dia de uma forma em geral. Como administradora, destaco que é uma luta realmente contínua e constante, mas não dá para parar ou desistir. A ideia é que essa instituição consiga sobreviver, no mínimo, mais um cem anos", finaliza Cida.