Em mais um passo da ofensiva do Kremlin contra pessoas LGBTQ+, Parlamento russo aprova legislação para proibir procedimentos de redesignação sexual, mudança de gênero em documentos e adoção de crianças por pessoas trans. Em mais uma etapa da campanha de repressão do Kremlin contra minorias LGBTQ+, a Duma, a câmara dos deputados da Rússia, aprovou em votação final nesta sexta-feira (14/07) um projeto de lei para cercear drasticamente os direitos das pessoas trans no país.
Entre as medidas repressivas da nova lei estão:
A proibição de intervenções médicas para mudar o gênero de uma pessoa, incluindo cirurgias e terapias hormonais;
A proibição de alteração de gênero em documentos ou registros oficiais;
Casamentos em que um dos cônjuges é transgênero poderão ser anulados;
Pessoas que já passaram por procedimentos de mudança de gênero serão proibidas de adotar filhos.
"Degeneração de uma nação"
"Essa decisão protege nossos cidadãos e crianças", disse o presidente da Duma, Viacheslav Volodin.
Ao defender o projeto, o deputado Volodin não escondeu que enxergava os direitos trans como uma tendência importada do Ocidente, mencionando que as operações cirúrgicas para mudança de sexo dispararam nos Estados Unidos nos últimos dez anos. "Que tendência monstruosa! É um caminho que leva à degeneração de uma nação. É inaceitável para nós", disse o parlamentar.
A fala seguiu uma linha expressada anteriormente pelo presidente Vladimir Putin, que disse que estilos de vida LGBTQ+ vão contra os "valores tradicionais russos" e que a aceitação deles no Ocidente é uma evidência de decadência moral.
Para passar a vigorar, o projeto de lei precisa ser aprovado também pelo Conselho da Federação, o senado russo, e depois ser ratificado por Putin. No entanto, essas etapas são consideradas meras formalidades, já que a legislação conta com o apoio decisivo do Kremlin, que vem patrocinando bem-sucedidos projetos de legislação anti-LGBTQ+ desde os anos 2010.
Perseguição sob Putin
A nova lei reverte uma série de direitos que haviam sido conquistados por pessoas trans após a queda da União Soviética, em 1991. Em 1993, o país extinguiu uma legislação da época do ditador Josef Stálin que previa prisão para homens homossexuais. Em 1997, o país passou a permitir legalmente a mudança do gênero em documentos oficiais.
No entanto, com a ascensão de Vladimir Putin, que mantém laços estreitos com a ultraconservadora Igreja Ortodoxa russa, o governo partiu novamente para ofensiva contra minorias LGBTQ+, especialmente a partir dos anos 2010.
Em 2013, sob o comando de Putin, o país impôs a lei para combater a chamada "propaganda gay", que passou a prever punições para quem se manifestasse de forma positiva sobre a homossexualidade na presença de menores ou nos meios de comunicação. Em 2020, o país passou a proibir oficialmente casamentos entre pessoas do mesmo sexo.
Desde o início da guerra de agressão russa contra a Ucrânia, o Kremlin voltou a redobrar as ações conservadoras contra pessoas LGBTQ+ sob a justificativa de "eliminar comportamentos desviantes" importados do Ocidente.
Em dezembro de 2022, a "lei da propaganda gay" foi expandida, passando a proibir publicidade, referências online e na imprensa, livros, filmes e peças de teatro que contenham "promoção de relações sexuais não tradicionais" ou, de maneira coloquial, "propaganda LGBTQ+". Desde então, a legislação também passou a ser instrumentalizada até mesmo para perseguir casais de homossexuais adultos em relações consentidas que publicaram fotos ou textos sobre seu cotidiano nas redes sociais.
No final de junho de 2023, o Ministério da Saúde da Rússia publicou uma diretriz instruindo sexólogos a ajudar gays a superar o que o governo enxerga como "distúrbio mental", ou a atração sexual por pessoas do mesmo gênero.
Em locais da Rússia como a Chechênia, governada com mão de ferro por Ramzan Kadyrov, um aliado de Putin, perseguição, tortura e assassinatos de homossexuais pelas autoridades são comuns, segundo jornalistas independentes.
Na quinta-feira, quando o novo projeto que mira pessoas trans passava pela sua segunda leitura no Parlamento, o Serviço Federal de Segurança da Federação Russa (FSB, a antiga KGB) anunciou a prisão de um ativista transgênero, que foi acusado de "alta traição" a favor da Ucrânia.
Segundo o FSB, o detido é um ativista transgênero que "foi designado como mulher ao nascer" e trabalha como voluntário para a ONG OVD-Info, uma organização de direitos humanos que documenta a repressão política na Rússia. As autoridades alegaram que o suspeito é gestor de um projeto que organizou transferências de dinheiro para organizações ucranianas.
Ainda na quinta-feira, um popular site de streaming russo foi multado em 1 milhão de rublos (R$ 53 mil) depois que as autoridades acusaram a plataforma de não incluir uma classificação etária de 18 anos ou mais como advertência para um filme italiano que faz referência a relacionamentos LGBTQ+.
jps (ots)