Com a decisão da Suprema Corte, que diz combater "discórdia religiosa e social", ativistas passam à clandestinidade. Temor é de que até mesmo indivíduos sem histórico de militância possam ser presos. Em mais um ato de sua cruzada anti-LGBTQIA+, a Rússia qualificou como extremista e baniu o que chamou de "movimento internacional LGBTQIA+" e suas atividades, em uma decisão que defensores dos direitos humanos apontam que deve piorar ainda mais a situação de uma minoria já duramente reprimida no país.
A sigla LGBT é uma abreviação de lésbicas, gays, bissexuais e transgênero, mas é comumente usada para se referir a pessoas que fogem à hetero e/ou cisnormatividade - isto é, que não sentem atração (apenas) pelo gênero oposto, ou não se identificam (apenas) com o gênero que lhes foi atribuído ao nascer.
A decisão da Suprema Corte desta quinta-feira (30) atendeu a um requerimento do Ministério da Justiça russo.
Segundo a agência de notícias Interfax, a corte decidiu "reconhecer o movimento internacional público LGBTQIA+ como uma organização extremista e banir suas atividades na Rússia". A classificação foi justificada sob o argumento de que ele incita "a discórdia religiosa e social".
Decisão vaga suscita temor de arbitrariedade
Veículos de imprensa independentes russos destacaram que os juízes não especificaram quem exatamente eles consideravam parte do "movimento LGBTQIA+", de modo que os efeitos específicos da decisão ainda permanecem incertos.
Por causa dos termos vagos da decisão, o temor é de que ativistas da causa LGBTQIA+ e mesmo indivíduos sem histórico de militância passem a encarar processos judiciais e longas temporadas na prisão por causa de sua sexualidade e/ou gênero.
"Na prática, pode ser que autoridades russas, com essa decisão em mãos, comecem a usá-la contra iniciativas LGBT atuantes no país, passando a considerá-las parte desse movimento", afirmou o advogado Max Olenichev, que atua em favor de pessoas LGBT, à agência de notícias AP.
Segundo ele, na prática, a decisão veta o financiamento e apoio a organizações LGBTQIA+, o uso de certos símbolos e o apoio declarado a determinadas ideias - quais, ao certo, é algo que só deve se tornar de conhecimento público com os primeiros processos.
"As autoridades estão fazendo de tudo para a agenda LGBT desaparecer da esfera pública", disse Olenichev.
A Anistia Internacional também criticou o veredito, afirmando que ele viola a liberdade de associação, expressão e reunião pacífica, e que levará a um aumento da discriminação, além de sufocar organizações que atuam em prol dos direitos de pessoas LGBTQIA+.
Putin aposta na agenda dos costumes para manter coesão interna
O governo de Vladimir Putin já usou a classificação "extremista" no passado para enquadrar ativistas dos direitos humanos e desafetos na política e na imprensa.
Militantes da causa LGBTQIA+ têm sido duramente reprimidos no país, que intensificou sua guinada conservadora na esteira da invasão da Ucrânia para se defender da influência "degradante" do Ocidente. Essas pessoas temem serem banidas completamente dos espaços públicos e uma escalada da violência.
Desde 2022, a Rússia já aprovou uma lei para banir o que chamou de "propaganda LGBTQIA+" entre adultos - atos que promovam "relações sexuais não tradicionais" - e a realização de tratamentos e intervenções médicas para mudança de gênero, bem como mudanças de gênero em documentos oficiais, além de proibir também a adoção de crianças por pessoas LGBT.
Em novembro, perante o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, a Rússia afirmou que protege os direitos das pessoas LGBTQIA+, argumentando que a "restrição de demonstrações públicas em favor de relações ou preferências sexuais não tradicionais" não é censura.
Putin, que deve entrar em campanha por mais um mandato de seis anos em março, tenta manter sua popularidade interna martelando na agenda de costumes e antagonizando com valores liberais.
Em um discurso no ano passado, ele afirmou que o Ocidente tem adotado "modas meio estranhas (...) como dúzias de gêneros e paradas gays", mas que não tinha nenhum direito de impô-las a outros países.
ra/bl (AP, AFP, Reuters, dpa)