Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), em 2022, ao menos 151 pessoas trans foram assassinadas no Brasil, obtendo assim, pelo 14º ano seguido, o título do país que mais mata pessoas trans no mundo.
A violência contra essa população é um dos problemas que, historicamente, não recebem atenção do Poder Legislativo brasileiro. Pelo contrário. A jornalista Dani Avelar, da Folha de S.Paulo, publicou um levantamento de, pelo menos, 69 projetos de lei antitrans apresentados no legislativo federal, estadual ou municipal desde o início deste ano, ou seja, um por dia.
É importante pontuar que na esfera federal não há nenhuma lei que garanta direitos à população trans ou LGBTQIA+, porém interpretações do Poder Judiciário das leis já vigentes procuram ocupar essa lacuna e garantir direitos para a comunidade. Confira abaixo quais são as principais:
Criminalização da LGBTfobia
Em junho de 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) equiparou a discriminação de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais ao crime de racismo.
Pela decisão do STF, a pena para os crimes de homofobia e transfobia é de um a três anos de reclusão, além de multa. Caso haja divulgação ou publicação de ato homofóbico em meios de comunicação, inclusive em redes sociais, a pena pode variar entre dois e cinco anos de reclusão.
Em entrevista para CNN no último ano, a presidente da Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero da OAB-SP, Heloisa Alves afirmou que ainda, no entanto, se faz necessário “sensibilizar e capacitar autoridades para investigar os casos e ver se houve motivação de homofobia ou transfobia, no crime, é preciso que as informações cheguem nas academias de polícia, para orientá-los”.
Mulheres trans e a Lei de Feminicidio
Por unanimidade, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu, em abril de 2022, que a Lei Maria da Penha se aplica também aos casos de violência doméstica ou familiar contra mulheres transexuais.
O movimento trans, no entanto, relata que a medida por si só foi tardia e de eficiência duvidosa.
"A política institucional é, ainda, um marco social do status tradicional e reacionário. Aos poucos, as populações historicamente excluídas adentram o meio, mesmo que suas trajetórias tenham de ser marcadas por muito mais resistência e denúncia que de proposição ativa, já que a máquina pública se mostra hermética quanto às evoluções por igualdade e democracia plena. De toda forma, vale ressaltar, a inclusão é parte de um movimento histórico e de persistência dos movimentos sociais, e isso é muito positivo", comentou a deputada estadual e educadora Erica Malunguinho (PSOL-SP) na época em entrevista ao site Alma Preta.
Direito à saúde
A portaria nº 2.836, instituida no dia 1º de dezembro de 2011, estabeleceu no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (Política Nacional de Saúde Integral LGBT), que tem 24 objetivos principais.
Entre os objetivos se destacam "instituir mecanismos de gestão para atingir maior equidade no SUS, com especial atenção às demandas e necessidades em saúde da população LGBT, incluídas as especificidades de raça, cor, etnia, territorial e outras congêneres" e "ampliar o acesso da população LGBT aos serviços de saúde do SUS, garantindo às pessoas o respeito e a prestação de serviços de saúde com qualidade e resolução de suas demandas e necessidades".
Passados 11 anos, nem todas as políticas estabelecidas pela portaria foram estabelecidas, em especial no campo de qualificação de informações sobre saúde da população LGBT, como consta no item IV, ou então, "atuar na eliminação do preconceito e da discriminação da população LGBT nos serviços de saúde", como descrito no item XV.
Outras propostas, no entanto, avançaram, como a carta de Direitos dos Usuários do SUS, da Portaria 1.820 de 13 de agosto de 2009, que garante a identificação pelo nome social no cartão SUS .
A Política Nacional de Saúde Integral LGBT pode ser lida integralmente aqui.
Pessoas trans em privação de liberdade
Segundo o dossiê "Trans Brasil: um olhar acerca do perfil de travestis e mulheres transexuais no sistema prisional", publicado pela ANTRA em 2022, "a maior parte das pessoas trans no cárcere estão aguardando julgamento, ou cometeram crimes de menor potencial ofensivo, como roubo, furto, tráfico ou associação ao tráfico". O cenário, no entanto, não exime o grupo de extensa violência.
Hoje, o país conta "com alguns instrumentos jurídicos protetivos, decorrentes de esforços e movimentos nacionais e internacionais para definir parâmetros e métodos de monitoramento preventivo dedicados às pessoas LGBTQIA+ privadas de liberdade", explica o dossiê.
São eles: a resolução nº 348/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que "realizou uma série de encontros com representações de órgãos do sistema de justiça e outros governamentais, instituições e membros da sociedade civil, a fim de complexificar o olhar do Judiciário sobre a situação das pessoas LGBTQIA+ no sistema prisional, e a Resolução nº 348/2020, também do CNJ, que estabeleceu, entre outras coisas, "a identificação da pessoa LGBTI por meio da autodeclaração" e a "salvaguarda do direito à maternidade de mulheres lésbicas, travestis e transexuais e aos homens transexuais", entre outros.
Cabe lembrar que os desafios no âmbito do sistema carcerário são grandes, não só em relação à população trans. Grande parte dos movimentos sociais proprõem uma reforma total do sistema, o chamado abolicionismo penal.