"Ser uma mulher intersexo não me privou de direitos, mas ser mãe de um bebê intersexo, sim", diz educadora

Thais Emilia, 46 anos, fundadora da ABRAI, conversou com o Terra NÓS para o Dia da Visibilidade Intersexo, celebrado neste sábado, 26

26 out 2024 - 05h00
Resumo
Thais Emilia de Campo dos Santos, uma mulher intersexo, deu à luz Jacob, uma criança intersexo, em 2016. O bebê morreu um tempo depois por causa de problemas cardíacos, e a educadora continuou lutando pelos direitos das pessoas intersexo.

Thais Emilia de Campo dos Santos, 46 anos, psicopedagoga e fundadora da Associação Brasileira Intersexo (ABRAI), descobriu que era intersexo na adolescência, embora nunca tivesse sido identificada como tal, o que só aconteceu de fato depois do nascimento do seu filho. Mais jovem, após não se sentir bem durante um treino de atletismo, ela foi encaminhada para o hospital, onde realizou alguns exames.

"Eu descobri que tinha alterações gonadais e comecei a tomar hormônio feminino. Fui proibida de continuar treinando", contou ao Terra NÓS, em entrevista especial para o Dia da Visibilidade Intersexo. celebrado neste sábado, 26.

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Thais enfrentou desafios para engravidar, tendo que passar por alguns tratamentos. Quando já tinha dois filhos, ela deu à luz Jacob, uma criança intersexo, em 2016.

"Ele nasceu com o genital atípico e, então, meu médico começou a ler muito sobre intersexo. Ele também passou a entender que eu também estava dentro do espectro, da vivência da pessoa intersexo". Foi então que a condição de Thais ganhou um nome. 

8 pontos cruciais sobre crianças intersexo 8 pontos cruciais sobre crianças intersexo

Maternidade intersexo

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Quando Jacob nasceu, o hospital não emitiu a Declaração de Nascido Vivo (DNV), fundamental para solicitar a certidão de nascimento, devido à falta de uma definição binária do sexo (masculino ou feminino) do bebê. Os médicos sugeriram uma cirurgia [para atribuição de um gênero] para Jacob, mas Thais recusou. "Você ver seu filho tendo todos os seus direitos violados é bem complicado. Foram muitas violências."

"Ele não teve direito a cartão SUS, convênio médico. Ele não teve direito a ter um nome, todas as crianças podiam ter nome, ele não tinha. Jacob teve todos os seus direitos negados. E eu, como mãe, não tive acesso à licença-maternidade", relembrou.

Diferente de Jacob, a condição de Thais é hormonal, com altos níveis de testosterona. "Eu não tive um impacto tão violento igual ao que meu filho teve", disse. Jacob, que nasceu com microcefalia e cardiopatia, morreu com um ano e meio de idade devido a problemas cardíacos.

Para mim, o impacto de ser uma mulher intersexo não foi tão grande como o impacto de ser mãe de uma criança intersexo. O que mobilizou a minha militância foi a maternidade intersexo e não o que aconteceu comigo. Eu ser uma mulher intersexo não me privou de direitos, mas ser mãe de bebê intersexo, sim.

Ativismo

Ativista há mais de 20 anos, Thais já militava pelos direitos das mulheres e de grupos minoritários antes do nascimento de Jacob, mas sua experiência como mãe de uma criança intersexo reforçou sua luta.

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"Eu passei a querer conhecer adultos intersexos, ativistas intersexos, para ver se eu estava certa de não ter deixado ele ser operado quando nasceu, porque eu conhecia a minha história. Mas a minha história não envolvia genital atípico, então eu quis conhecer outras pessoas intersexos que tinham essa mesma condição", contou ao Terra NÓS.

Em 2018, Thais e outros ativistas iniciaram o processo de regulamentação da ABRAI, oficializada em 2020, da qual se tornou presidente. A fundação da ABRAI trouxe desafios, incluindo ataques nas redes sociais. "Recebo muitas ameaças, principalmente por ser mulher e mãe. São ataques misóginos", revelou.

Apesar das dificuldades, a ABRAI tem impactado a sociedade, que avança em relação à conscientização sobre pessoas intersexo. Este ano, por exemplo, a novela “Renascer”, da Globo, apresentou um bebê intersexo.

"A gente teve várias reuniões com a produção da Globo e ninguém da ABRAI recebeu por isso. Foi uma questão de militância mesmo, da importância de se ter um bebê intersexo na novela."

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Thais acredita que ainda há muito a ser feito para que pessoas intersexo sejam plenamente reconhecidas na sociedade
Thais acredita que ainda há muito a ser feito para que pessoas intersexo sejam plenamente reconhecidas na sociedade
Foto: Reprodução: Instagram/thaisemiliasantos

No entanto, ela afirma que ainda há muito a ser feito para que pessoas intersexo sejam plenamente reconhecidas na sociedade. "Quando nasce um bebê intersexo, ele tem direito à certidão de nascimento, mas a certidão de nascimento não tem CPF. Então, o bebê intersexo não tem CPF e, se ele não tem CPF, ele não pode ter convênio, passaporte, e nem matrícula na escola. Dessa forma, os pais têm que optar pelo gênero. A lei é muito incompleta", destacou.

Thais e a ABRAI estão trabalhando no Estatuto da Pessoa Intersexo. "Percebemos que, na educação, saúde, segurança pública e aposentadoria, tudo é diferente para as pessoas intersexo, especialmente para quem nasce com genitália diferenciada. Então, essa pessoa vai sofrer um impacto muito grande desde o nascimento, um impacto que precisa ser visto de uma forma de acolhimento e não de rejeição fazendo cirurgia. Quando eu acolho a diferença, espero o tempo dessa criança, entender como ela percebe seu corpo, sua consciência corporal e tudo mais", reflete.

Contudo, a educadora reconhece que algumas situações podem exigir cirurgia. "Por isso, a pessoa intersexo, a criança intersexo, sempre tem que ter um acompanhamento médico, que seja humanizado, garantindo a integridade, dignidade e saúde da pessoa intersexo", declara.

Fonte: Redação Nós
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