STF fica a um voto de rejeitar o marco temporal; Senado reclama prerrogativa

O processo no Supremo projeta um embate com o Legislativo. Ele foi pautado ao mesmo tempo que o debate sobre o tema avança no Congresso

20 set 2023 - 21h39
(atualizado às 22h53)
Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF)
Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF)
Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta quarta, 20, o julgamento sobre a adoção ou não de um marco temporal para a demarcação de terras indígenas. Com o voto do ministro Dias Toffoli, o placar estava em cinco a dois contra a tese que diz que povos indígenas só podem reivindicar terras que ocupavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. A votação será reiniciada na sessão desta quinta, 21. Se mais um ministro rejeitar o marco, será formada maioria na Corte.

O processo no Supremo projeta um embate com o Legislativo. Ele foi pautado ao mesmo tempo que o debate sobre o tema avança no Congresso. A Câmara dos Deputados aprovou em maio um projeto de lei para restringir as demarcações. A proposta está agora na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.

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Ontem, a sessão da CCJ foi marcada por mensagens diretas aos ministros do STF. Senadores defendem o que consideram a prerrogativa do Congresso de legislar sobre o assunto.

Ao colocar a ação na pauta, a presidente do STF, Rosa Weber, contrariou a bancada ruralista e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), simpático ao projeto de lei. Deputados e senadores ligados ao agro esperavam dissuadir a Corte de retomar o julgamento.

Rosa Weber, conhecida pela defesa de pautas de direitos humanos, corre contra o tempo para votar no caso. A ministra se aposenta compulsoriamente no fim do mês e sinalizou aos colegas que não gostaria de deixar o tribunal sem participar deste julgamento.

Avaliações colhidas pelo Estadão dizem que, se os ministros decidirem que a tese é inconstitucional, o projeto de lei será colocado em xeque. O PL trata de outros temas, que podem seguir tramitando, mas o trecho sobre o marco temporal precisará ser revisto.

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"Entendo que o PL, internamente, até poderia tramitar. Contudo, o STF poderia novamente declarar sua inconstitucionalidade. Ou seja, ele seria inócuo. Não surtiria efeitos na prática", afirmou o constitucionalista Georges Abboud, professor da PUC de São Paulo.

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Cláusula pétrea

Se os parlamentares insistirem na votação do PL, o Supremo teria pelo menos dois caminhos disponíveis. Aguardar a movimentação no Congresso e, se o projeto for aprovado e promulgado, esperar o ajuizamento de alguma ação para voltar a analisar o tema. A segunda alternativa seria um controle prévio de constitucionalidade.

A atuação preventiva acontece, via de regra, quando há risco de violação de cláusulas pétreas da Constituição.

"O Supremo dará uma decisão que, seguramente, será de bom senso, mas um PL não tem qualquer possibilidade de se sobrepor à Constituição. O que está em jogo é a interpretação da Constituição dada pelo seu máximo intérprete, que é o Supremo Tribunal Federal. Um PL não vai alterar isso", defendeu o ex-secretário de Justiça do Estado de São Paulo Belisário dos Santos Júnior.

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O ex-secretário afirma que, a partir do julgamento do STF, mesmo uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) teria dificuldades de prosperar: "Esses direitos dos indígenas são cláusula pétrea e não podem ser alterados".

O relator do caso, Edson Fachin, se pronunciou contra o marco temporal, assim como os ministros Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli. Os cinco entendem que o direito das comunidades a territórios que tradicionalmente ocupavam não depende de uma data fixa. Os ministros Nunes Marques e André Mendonça votaram a favor da tese.

O julgamento entrou ontem na décima sessão. Toffoli foi o único a votar e afirmou que as demarcações dependem de um vínculo comprovado com o território, mas que esse vínculo não está, necessariamente, na data de promulgação da Constituição.

"É uma controvérsia que é julgada, se nós formos olhar pelo olhar da história, pelos invasores. Nós estamos aqui a julgar a pacificação de uma situação histórica. Nós estamos julgando o destino dos povos originários do nosso país", disse.

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'Independentes'

No Legislativo, a votação do marco temporal foi adiada para a próxima semana. "É aqui que se decide, não é no Supremo. O Supremo só tem que guardar a Constituição. Não é deliberar se fizemos certo ou errado", afirmou o senador Weverton Rocha (PDT-MA) durante a sessão da CCJ da Casa.

Para o relator, senador Marcos Rogério (PL-RO), o STF só poderia se pronunciar sobre o tema quando sancionada a lei. Enquanto a discussão estiver no Congresso, afirma ele, a Corte não pode intervir. "São instâncias independentes. O Supremo não pode, sem devido processo legal, dizer que o Parlamento não poder legislar sobre isso. Cada um cumpre o seu papel."

Senadores dão 'recados' para os ministros da Corte

Senadores aproveitaram a discussão de um projeto que busca transformar em lei o marco temporal - princípio que só permite demarcação de terras indígenas ocupadas até 1988, ano da promulgação da Constituição - para enviar mensagens ao Supremo Tribunal Federal. A Corte segue caminho contrário e prossegue com o julgamento que pode derrubar a tese.

A sessão da Comissão de Constituição e Justiça da Casa foi repleta de mensagens aos ministros. "Temos que ter tamanho de senador, que não é menor que ministro do Supremo. Temos mecanismos para frear esses desmandos", afirmou Plínio Valério (PSDB-AM). "Não podemos aqui abrir mão da nossa prerrogativa de legislar, senão fechemos o Congresso de uma vez e aguardemos que todas as questões sejam resolvidas pelo STF", disse Sérgio Moro (União-PR). (COLABOROU LEVY TELES)

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