Suicídio de mães atípicas revela descaso com essa população

Sem apoio e com sobrecarga de atividades, essas mães podem desenvolver quadros de ansiedade e depressão com consequências graves

22 mai 2022 - 05h00
Estresse de mães de pessoas com autismo é semelhante ao de combatentes de Guerra
Estresse de mães de pessoas com autismo é semelhante ao de combatentes de Guerra
Foto: iStock

Apesar da falta de estatísticas específicas sobre o assunto no Brasil, para quem vivencia o dia a dia do universo das mães atípicas, o cenário é triste e assustador. Andrea Werner, fundadora do Instituto Lagarta Vira Pupa e mãe de Theo, 13 anos, diagnosticado com TEA, conta que só em dezembro passado ficou sabendo de três casos de suicídio de mães atípicas. Para ela, o grande desafio não é a deficiência do filho, e sim uma série de abandonos pelos quais as mães atípicas passam, que vem de todos os lados: da sociedade, da família e do Estado.

O suicídio é, por si só, um assunto que envolve preconceito e tabu. Em se tratando de mulheres com filhos, o tema é pouco abordado e, quando é, há sobra julgamento e falta empatia. Mãe atípica é um conceito que tem sido utilizado para diferenciar, em geral, a maternidade de mulheres que se deparam com uma mudança na rota em seu maternar.  Ao receber o diagnóstico de que o filho nascerá ou tem questões de ordens neurológicas e genéticas, como Síndrome de Down, ou condições de desenvolvimento psíquico, cognitivo e/ou motor adversas, como o Transtorno do Espectro Autista (TEA), ela terá de exercer a maternidade de um jeito neurodivergente para atender esta criança que irá se desenvolver de maneira diferente do esperado. E isso pode acarretar uma série de mudanças e sobrecargas, além de sentimento de abandono por falta de apoio, o que gera quadros de ansiedade e depressão.

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Quando esse aspecto é negligenciado, pode levar a situações limite, chegando até a casos de suicídio. “Percebo as crianças sendo assistidas em serviços de terapias, porém não vejo as mães e os pais cuidando de si, da sua saúde mental do seu acolhimento e, muitas vezes, seguem sem suporte emocional e psicológico”, analisa a fonoaudióloga Cristina Esteves, especializada em estimulação de fala e comunicação. E esse cuidado tem razão de ser: um estudo feito com famílias norte-americanas e divulgado no "Journal of Autism and Developmental Disorders", mostrou que o nível de estresse em mães de pessoas com autismo assemelha-se ao estresse crônico apresentado por soldados combatentes de guerra. 

Luta e abandono

“A maternidade atípica é uma luta. Sempre pergunto às mães atípica sobre rede de apoio e 90% dizem que não têm. Quando acabam tendo a ajuda, ficam com medo de incomodar”, conta a psicóloga Ellen Rodrigues, diretora da clínica multidisciplinar ComSig. Elas também geralmente perdem o emprego ou precisam abandoná-lo para cuidar do filho, sofrem preconceito e falta de inclusão na sociedade, não têm apoio da família nem de amigos, muitas não conseguem matricular o filho em uma escola, não contam com tratamentos adequados para a criança, não têm rede de apoio nem tempo de cuidar si mesmas.

Ao lado disso, dados do Instituto Baresi, de 2012, indicam que, no Brasil, cerca de 78% dos pais abandonaram as mães de crianças com deficiências e doenças raras antes dos filhos completarem 5 anos de vida.  “Meu marido fugiu da estatística, porque é parceiro, superpai e divide as tarefas comigo. Isso deixa tudo menos pesado”, diz Andrea, que virou ativista e hoje luta por direitos e apoio para essa parcela da população. 

Sua orientação para as mães atípicas é buscar apoio em páginas específicas na internet, como Facebook, onde será possível conhecer grupos de Whatsapp da cidade ou região onde mora. “Esses grupos vão estender a mão, porque ninguém entende a gente como quem passa pela mesma situação”, acredita.

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Andrea, do Lagarta Vira Pupa: grupos de apoio virtuais ajudam a enfrentar a sobrecarga
Foto: Reprodução Instagram
Fonte: Redação Nós
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