Supermercado não chega a acordo sobre indenização em caso de jovens negros mortos

MP propôs valor de R$ 50 milhões, mas Atakarejo oferece R$ 2 milhões; caso aconteceu em Salvador, na Bahia, em 2021

16 fev 2023 - 14h30
(atualizado às 14h32)
Manifestantes realizam ato contra o racismo na Avenida Paulista, em São Paulo
Manifestantes realizam ato contra o racismo na Avenida Paulista, em São Paulo
Foto: Taba Benedicto /Estadão

Quase dois anos após as mortes de Bruno Barros, de 29 anos, e Yan Barros, de 19, tio e sobrinho, após supostamente furtarem carnes do supermercado Atakarejo, em Salvador (BA), o caso vive um impasse na Justiça. Nesta terça-feira, 14, a primeira audiência no processo trabalhista terminou sem acordo depois que representantes do mercado se recusaram a pagar indenização de R$ 50 milhões, quantia proposta na audiência pelo Ministério Público da Bahia e outras entidades. O estabelecimento, por sua vez, propõe indenização de R$ 2 milhões. Sem consenso, a ação volta à petição inicial de R$ 207 milhões. A próxima audiência será no dia 12 de maio.

Segundo a família das vítimas, Bruno e Yan foram entregues por funcionários do estabelecimento a integrantes de uma facção criminosa do bairro do Nordeste de Amaralina após supostamente furtarem carne no dia 26 de abril de 2021. Em seguida, os jovens negros foram torturados e mortos. Uma suposta lei de segurança imposta por traficantes proíbe roubos na região para não atrair policiais.

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A defesa do supermercado nega participação e argumenta que os narcotraficantes invadiram o local para retirar os jovens. A Justiça determinou a prisão preventiva de 11 dos 13 suspeitos, dois vão responder em liberdade. Entre os suspeitos estão funcionários do estabelecimento e traficantes.

Dez audiências de tentativa de conciliação já foram realizadas no Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC/BA). Todas sem sucesso. Outra ação, por dano moral coletivo, foi proposta na Justiça do Trabalho, pois os autores acreditam que a violência contra pessoas negras dentro do supermercado configura um ambiente laboral marcado pelo racismo.

A ação foi formulada pela Educafro, Odara – Instituto da Mulher Negra e o Centro Santo Dias de Direitos Humanos, além do Ministério Público do Trabalho e as Defensorias Públicas da União e do Estado da Bahia.

“O grupo Atakarejo lida com esse processo pensando nele como um problema a ser superado ou adiado, quando deveriam aceitá-lo como uma oportunidade de mudança que o protegerá de um iminente cancelamento social. A sociedade brasileira não tolera mais essas coisas”, afirma o advogado Márlon Reis.

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Além da indenização, destinada a um fundo de combate ao racismo, a ação impõe ao supermercado ações específicas de combate ao racismo, como treinamento de letramento racial, além da internalização da área segurança, entre outras. “O mais importante neste momento é fazer com que o Judiciário brasileiro discuta, de forma séria, as violências raciais a partir do Estado e da iniciativa privada. É uma demanda social, especialmente da comunidade negra. Não é um fato banal”, avalia Gabriela Ramos, ativista do Odara Instituto da Mulher Negra.

Protesto em frente ao supermercado Carrefour, na zona norte de Porto Alegre, onde João Alberto Silveira Freitas, foi morto por seguranças da loja
Foto: Jefferson Bernardes / Estadão

Em outro caso emblemático de racismo, o Carrefour aceitou pagar R$ 115 milhões em ações de reparação pela morte de João Alberto Freitas, espancado por seguranças em uma de suas unidades de Porto Alegre, em novembro de 2020. A quantia faz parte de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) acertado com entidades públicas e organizações do movimento negro para reparar danos morais comunitários e descartar a abertura de ações judiciais.

O que diz o Atakarejo

Em nota enviada ao Estadão, a rede Atakarejo afirma que “confia no equilíbrio e discernimento da Justiça e reafirma seu compromisso com a erradicação do racismo estrutural”.

Relembre o caso

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O crime de Salvador aconteceu no dia 26 de abril de 2021. Segundo a família das vítimas, Bruno e Yan foram entregues por funcionários do estabelecimento a integrantes de uma facção criminosa do bairro do Nordeste de Amaralina após furtarem carne. Imagens gravadas por um celular flagraram ainda um dos seguranças do local agredindo Yan.

Bruno enviou áudios a uma amiga pedindo ajuda para não ser entregue aos traficantes e que chamasse a Polícia Militar – à época, a jovem alegou ter feito o chamado. Os seguranças envolvidos no caso foram afastados no dia 6 maio, dez dias após o episódio.

Filmagens de câmeras de segurança foram parcialmente encontradas, e a polícia começou a investigar se parte do material foi apagada. Entidades do movimento negro de Salvador protestaram nos dias seguintes ao episódio, pedindo esclarecimento das autoridades e da rede varejista.

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